National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1
OFIMDOLIXO 27

ser compostado quando deixa de ser útil. Na últi-
ma década, a Ecovative fabricou mais de 450 to-
neladas de embalagens para clientes dispostos a
pagar um preço ligeiramente superior.
Mais recentemente, dedicaram-se ao fabrico
de objectos maiores, totalmente fabricados com
cogumelos. No solo, o micélio cresce em cama-
das de malha, mas assim que entra em contacto
com a atmosfera, começa a formar cogumelos.
A Ecovative descobriu uma maneira de enganar o
micélio, induzindo um padrão de crescimento hí-
brido, no qual o micélio vai depositando microca-
madas compactas, uma após outra. “Parece uma
impressora 3D biológica”, afirmou Ebon Bayer.
A Ecovative está a ampliar um laboratório para
descobrir como cultivar todo o tipo de artigos (so-
las de sapato, cabedal vegan, estruturas comestí-
veis para bifes artificiais) a partir de micélio. Em
2018, a estilista Stella McCartney desenhou uma
carteira de senhora com este material.
Segundo a visão berço-ao-berço, os resíduos
nem sequer existem enquanto conceito. Todos os
materiais são “nutrientes técnicos” bem conce-
bidos, com capacidade para serem interminavel-
mente reciclados, ou nutrientes biológicos, que
podem ser comidos ou compostados em seguran-
ça. Ebon Bayer concorda com esse ponto de vista,
mas acredita que, no futuro, a maioria dos objec-
tos serão biológicos. “Os materiais biologicamen-
te derivados já são compatíveis com a forma como
a Terra funciona”, disse. “A Nave Espacial Terra
consegue digerir este material.”


Além do bem e do mal


A ENORME QUANTIDADE DE LIXO que produzimos
não é um sinal de que somos maus. É um sinal de
que somos um pouco estúpidos. Encontrei-me com
Michael Braungart em Hamburgo. Ele começara a
carreira como activista da Greenpeace, organizando
manifestações contra empresas do sector químico
e, desde então, tem trabalhado como consultor de
muitas empresas. “Estamos a utilizar o modelo ber-
ço-ao-berço para combater um legado cultural que
se fundamenta em crenças religiosas”, afirmou,
querendo com isso referir-se às crenças monoteís-
tas. O legado que deixámos ao ambientalismo é a
ideia de que a natureza é boa e os seres humanos,
devido ao efeito que produzem sobre ela, são essen-
cialmente maus, pelo que o máximo que podemos
fazer é limitar os prejuízos.


Segundo Michael Braungart, esse ponto de vis-
ta é enviesado e pouco ambicioso. Ele é um am-
bientalista que acredita que somos capazes de
introduzir melhorias na natureza.
Nos arredores de Amsterdão, visitei um parque
de escritórios com cerca de nove hectares, pro-
jectado pela empresa de William McDonough e
construído com materiais que Michael Braungart
ajudou a seleccionar. Chama-se Parque 20/20. Se-
tenta e cinco por cento está construído e já é um
parque de escritórios verde e agradável. Possui fa-
chadas imaginativas, espaços soalheiros, energia
totalmente renovável e efluentes líquidos recicla-
dos no local. Em vez dos habituais pisos de placa
de cimento, os destes edifícios têm placas mais fi-
nas e ocas, com vigas de aço. Isto permite que sete
pisos caibam na altura habitual de seis, utilizando
menos 30% de material no total.
Durante o Inverno, a água quente do canal vi-
zinho, armazenada no subsolo desde o Verão an-
terior, corre pela canalização instalada sob cada
piso, aquecendo o espaço acima. No Verão, a água
fria do canal, guardada no Inverno anterior, corre
pelas condutas de cada tecto, arrefecendo o espa-
ço imediatamente abaixo. E, ao contrário das pla-
cas de betão, as secções prefabricadas de soalho e
tecto foram concebidas para serem desmontadas
e reutilizadas, caso venha a ser necessário remo-
delar ou demolir o edifício. Os edifícios do Parque
20/20 são “bancos de materiais”, enquanto, nou-
tros sítios, os materiais de construção dos edifí-
cios representam o maior fluxo de resíduos que é
encaminhado para os aterros.
A economia circular inspira muitos indivíduos,
mas não está a acontecer. Se nos fixarmos na crue-
za dos números, a “lacuna da circularidade” está a
aumentar. O nosso consumo de recursos naturais
poderá duplicar até 2050. As emissões de carbono
continuam a crescer. “Todos os indicadores ain-
da estão no vermelho”, admite Marc.
À semelhança de outros optimistas com quem
falei, Marc está a contar com o tempo. Para cons-
truir uma economia circular, terá de haver uma
enorme mudança cultural, de escala idêntica à
da revolução industrial. “Precisamos de vigor”,
afirmou. “Diz-me o bom senso que não pode-
mos fazê-lo com a geração actual no poder. Vai
ser necessária uma geração para que o processo
arranque.” Era a minha geração que ele estava a
empurrar para fora do palco. Não levei aquilo a
peito. Estaremos debaixo de terra, muito antes de
a economia circular aparecer, mas é assim que es-
taremos a dar o nosso pequeno contributo. j
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