Elle - Portugal - Edição 379 (2020-04)

(Antfer) #1
ELLE PT 25

sobrancelha de Julien Dos-
sena está franzida. Uma das
mãos faz sombra sobre parte
da cara (uma cara que, vale a
pena sublinhar, é notoriamente bonita:
aquela beleza clássica dos atores de Holly-
wood, de olhos escuros e intensos, e o ros-
to com marcas de sorrir semelhantes às de
Robert Redford) e parece profundamente
pensativo. Hoje, veste um “uniforme”
discreto, semelhante ao que os designers
do sexo masculino usam dando-lhes um
ar sobrenaturalmente cool. Mas não é
um cool qualquer, é um cool muito bem
estudado: a t-shirt preta, opaca e imacu-
lada, Prada conjuga-se na perfeição com
as calças de denim azul, com os ténis da
Adidas que parecem ter acabado de sair
da caixa e com as meias da Carhartt num
tom de branco puro. Dossena é mestre na
arte de fazer com que algo mais complexo
pareça casual – habilidade a que recorre
e que usa com mestria na Paco Raban-
ne, onde é diretor artístico desde 2013,
transformando a sorte (e a reputação) da
casa de moda com 53 anos.
Dossena ri-se quando lhe digo que
faz com que tudo isto [da roupa] pare-
ça fácil. «Eu sou uma pessoa realmente
particular», admite, antes de deixar os
seus olhos focarem-se num ponto da
mesa imaculada no quartel-general de
Paco Rabanne, em Paris. «Mas sempre
valorizei o trabalho. Às vezes, de forma
estúpida, no sentido de não acreditar no
talento, apenas que tudo surge com o
trabalho. E essa é a única razão pela qual
me sinto confiante em relação àquilo que
faço como designer. Ainda assim, quando
fui contratado, fiquei surpreso.»

Na verdade, muitas pessoas ficaram
espantadas quando Dossena foi nomeado
diretor criativo da Paco Rabanne, há seis
anos. Afinal, ele era um perfeito desco-
nhecido quando entrou. No entanto,
também a marca o era (para uma geração
mais jovem, que estava mais familiari-
zada com os seus perfumes (Black XS
ou Lady Million). Mas isso não aconte-
cia nos anos 60, quando Paco Rabanne
(nome verdadeiro de Francisco Rabaneda
Cuervo) alcançou o sucesso com as suas
peças inspiradas na era espacial: através
dos seus minivestidos em malha metáli-
ca, e dos figurinos para o filme de ficção
científica Barbarella, em 1968. Quase
meio século depois, considerou-se que
a marca estava completamente perdida
(na melhor das hipóteses; irrelevante,
na pior) quando o seu fundador come-
çou a concentrar-se no mundo da arte


  • e a profetizar sobre o Apocalipse. Seja
    como for, o destino desta casa de moda
    parecia estar traçado quando o costureiro
    de origem basca se aposentou em 1999.
    «Era realmente como... bouuufff», suspi-
    ra Dossena, enquanto toca com os dedos
    nas têmporas, gesticulando, como se es-
    tivesse a passar-nos a mensagem (através
    dos movimentos das mãos) de que tinha
    perdido o juízo – e, de facto a imprensa
    pensou que sim, batizando Rabanne de
    “Wacko Paco” (que em português se
    traduz para “Paco Louco”).
    No entanto, tudo mudou sob a direção
    de Dossena. A marca conseguiu voltar a
    ter apelo comercial (embora tenha pas-
    sado por alguns falsos relançamentos,
    devido às dificuldades que a Puig teve em
    manter os seus últimos designers: Ma-


A

Free download pdf