O Estado de São Paulo (2020-03-11)

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A14 QUARTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Metrópole

Giovana Girardi


Fabiana Cambricoli


Dois dos países com mais ca-


sos de coronavírus depois da


China apresentam taxas de


mortalidade discrepantes. A


letalidade da doença na Itália


é mais de 8 vezes a observada


na Coreia do Sul. Enquanto


no país europeu já morreram


6,21% das pessoas confirma-


das com a covid-19, no asiáti-


co a porcentagem de óbitos


foi de 0,7%, segundo dados di-


vulgados pelos departamen-


tos de saúde dos dois países.


Fatores como a quantidade


de idosos no país – a Itália tem


uma população mais envelheci-


da do que a Coreia – e a estrutu-


ra dos sistemas de identificação


de novos casos e assistência aos


doentes ajudam a explicar a dife-


rença entre os dois países. A dis-


paridade indica que a taxa real


de mortalidade pelo novo coro-


navírus pode ser menor do que


a que vem sendo observada até


o momento, de 3,5%. Desde os


primeiros relatos, em dezem-


bro, a covid-19 contaminou


117.356 pessoas em 107 países,


com 4.252 mortes.


Na Coreia, o governo fez tes-


tagem em massa da população,


identificando e somando casos


assintomáticos. Após o país


identificar o crescimento de ca-


sos relacionados a um culto reli-


gioso, pelo menos 200 mil pes-


soas foram testadas. “A vanta-


gem de um teste em massa é


que ele identifica tanto os casos


graves quanto os brandos e até


os assintomáticos. Isso aumen-


ta muito o número de identifica-


ções. Mas se é feito somente o


teste em quem busca o atendi-


mento médico, o dado pode fi-


car enviesado, porque provavel-


mente só vai identificar os ca-


sos médios e graves, justamen-


te onde a chance de evoluir a


óbito é maior”, explica Marcelo


Gomes, pesquisador em saúde


pública do Programa de Compu-


tação Científica da Fiocruz. Es-


tima-se que isso é que tenha


ocorrido na Itália.


A Coreia começou a ter regis-


tros pouco depois do início da


epidemia na China. O primeiro


relato de um caso foi feito em


20 de janeiro. O pico de casos


novos em 24 horas ocorreu em


29 de fevereiro – com 909 regis-


tros – e ontem foi de apenas 131.


Assim como ocorre com a Chi-


na, os novos casos vêm caindo e


a epidemia começa a se estabili-


zar. Até ontem, eram 7.513 ca-


sos confirmados e 54 mortes.


Na Itália, o surto teve início


no carnaval e o número de ca-


sos subiu rapidamente – e conti-


nua em alta. Até ontem eram


10.149 casos com 631 mortes.


“O perfil etário da população é


importante porque a letalidade


é significativamente mais alta


na população idosa”, explica


Gomes.


“Uma hipótese é que só tenha-


mos o diagnóstico das pessoas


que vão procurar o hospital e


que já estão mal, o que diminui


o denominador de quantos ca-


sos de fato existem. A taxa de


mortalidade fica alta, porque o


número de casos é só dos mais


severos”, afirma a pesquisado-


ra brasileira Rafaela da Rosa Ri-


beiro, que está colaborando


com o grupo de Elisa Vicenzi,


especialista em vírus do Ospe-


dale San Raffaele, hospital uni-


versitário de Milão.


Segundo relatório da Organi-


zação Mundial da Saúde


(OMS), entre chineses infecta-


dos acima de 80 anos, a mortali-


dade pela doença chegou a


21,9%. Na Itália, 22% da popula-


ção tem mais de 65 anos – o país


tem a população mais velha da


União Europeia. Na Coreia, a


faixa etária responde por 14%.


A estimativa é que quando a


situação se estabilizar no mun-


do, talvez a taxa de mortalidade


fique mais parecida com a apre-


sentada na Coreia – próxima de


1%. “Em novos surtos, é normal


começar detectando os casos


mais graves, então no início a


taxa de letalidade é mais alta.


Mas os dados indicam que a co-


vid-19 vai acabar se mostrando


uma gripe forte, com mortalida-


de maior que a da H1N1, que foi


de 0,5%”, diz Gomes.


Como na Itália o número de


casos cresceu muito rapidamen-


te, houve sobrecarga do siste-
ma, o que também pode estar

afetando a taxa de letalidade.


Nos casos mais graves, o tempo


de internação pode ser de qua-


tro a seis semanas, de modo que


não há vaga para todos que che-


gam doentes. Relatos da im-


prensa local apontam para a fal-


ta de respiradores.


Lições para o Brasil. “A im-


pressão que se tem é de que a


vigilância da Coreia talvez esti-


vesse mais bem preparada. E se


tem um bom atendimento para


as pessoas infectadas, a mortali-


dade é menor. Na Itália, como já


nos primeiros casos identifica-


dos houve mortes, isso sugere


que a vigilância tem baixa sensi-


bilidade”, diz o epidemiologis-


ta Eliseu Waldman, da Faculda-


de de Saúde Pública da USP. Pa-


ra ele, o sistema de saúde italia-


no entrou em colapso, e parte


dessa alta mortalidade pode se


dever às condições adversas no


atendimento.


Os pesquisadores opinam ain-


da que os dois quadros trazem


algumas pistas sobre o que pre-


cisa ser feito. Uma vigilância


atenta, que monitore o vírus


desde o início, pode ajudar a im-


pedir a transmissão, mas é reco-


mendável adotar medidas que


diminuam aglomerações. “Mes-


mo que não se consiga comple-


tamente bloquear a transmis-


são ou impedir a invasão no Bra-


sil, é fundamental que se consi-


ga diminuir a velocidade de


transmissão. Isso tem impacto


na habilidade do sistema de saú-


de de tratar de forma adequada


os pacientes e evitar os óbitos”,


complementa Gomes.


Educação


Governo ainda negocia


repasse maior para o


Fundeb. Pág. A


INFOGRÁFICO/ESTADÃO

DECLARAÇÃO


1

2

3

4

1 Eu,__ nascido em_no dia


sabendo das consequências penais


previstas no caso de declarações falsas


2 Declaro sobre a minha própria
responsabilidade

3 Que conheço as medidas de contenção


do contágio...


5

5 Data e local do controle.


Declarante assina e caso haja controle
da polícia, o policial assina ao lado

Moradores da Itália devem preencher
documento caso precisem circular

pelo país


Ministério do Interior


DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA PÚBLICA

4 Que o deslocamento é determinado por:
Exigências comprovadas por trabalho

Situação de necessidade
Motivo de saúde

Volta ao próprio domicílio


‘Para sair de casa, temos de levar


um documento assinado’


Fatores como a quantidade de idosos no país – a Itália tem uma população mais envelhecida – e estrutura dos sistemas de identificação


de novos casos e assistência aos doentes ajudam a explicar diferença; para especialistas, país asiático pode ser exemplo para o Brasil


Moro na província de Veneza,


na Itália. Gostaria de contar o


que está acontecendo neste


momento no país, onde esta-


mos vivendo o problema do


coronavírus.


Eu sou violinista, sou profes-


sor em um conservatório em


Udine (região com cerca de


96 mil habitantes).


Esta é a terceira


semana que


meus alunos
não podem ter

aulas porque


todas as escolas


na Itália, das cre-


ches às universi-


dades, estão fecha-


das por causa do no-


vo coronavírus.


Eu também faço parte de um


quarteto de arcos e deveria


fazer alguns concertos, que


foram todos cancelados.


Estamos vivendo um momen-


to muito difícil. Para sair de


casa, temos de fazer uma de-


claração assinada, enviada pe-


lo Ministério do Interior.


Podemos levar multa de ¤


200 (cerca de R$ 1 mil) se não


há boa justificativa (para sair


de casa). As justificativas não


são muitas: comprovadas exi-


gências de trabalho, situação


de necessidade, motivos de


saúde e volta para o pró-


prio domicílio.


Esta é uma viola-


ção da liberdade,


mas, se quere-
mos nos defen-

der desse vírus,


é necessário que


nos atenhamos a


essas regras.


Lembro que um


amigo de meu filho


foi parado no carro e co-


mo não tinha uma justificativa


suficiente, levou uma multa


de ¤ 200.


Infelizmente essa é a situa-


ção italiana e esperamos que


contenhamos esse vírus ou


será ainda pior. / DEPOIMENTO A


WILLIAM MARIOTTO

Roma tem ruas vazias no primeiro


dia de quarentena em todo o país


Mortalidade na Itália por causa do novo


coronavírus é 8 vezes a da Coreia do Sul


Alberto Battiston, de 56 anos, morador de Mestre (Veneza)


No primeiro dia de quarentena


em toda a Itália, a capital, Ro-


ma, amanheceu com bares e res-


taurantes fechados, ruas deser-


tas e pessoas trancadas em suas


casas – conforme recomendou


o governo. O isolamento, inédi-


to no país, é uma forma de con-


ter a epidemia do coronavírus.


O decreto de quarentena pa-


ra toda a Itália, anunciado an-


teontem, proibiu deslocamen-


tos pelo país – a não ser em ca-


sos de necessidade comprova-


da de trabalho, saúde ou em ur-


gências. O transporte público


continua funcionando, mas o


primeiro-ministro Giuseppe


Conte pediu que as pessoas fi-


quem em casa. Aqueles que têm


de viajar devem preencher um


documento explicando os moti-


vos e levar essa declaração con-


sigo, sob pena de multa (mais


informações nesta página).


Eventos foram suspensos e


bares e restaurantes só devem


abrir até as 18 horas, e em condi-


ções que garantam aos clientes


pelo menos um metro de distân-


cia entre si. As regras atingem


60 milhões de italianos e devem


vigorar até 3 de abril.


Turismo. Ontem, no decorrer


do dia, as ruas de Roma estavam


mais quietas que o normal. Mo-


radores encontravam lugares


com facilidade no metrô, mes-


mo no horário de pico. E a Fon-


tana di Trevi, geralmente lota-


da, ficou vazia. Pouco depois de


as medidas serem anunciadas,


consumidores correram para


comprar alimentos e produtos


de necessidade básica nos su-


permercados – mas apenas al-


guns compradores eram permi-


tidos por vez, para garantir a dis-


tância mínima entre as pessoas.


/ COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

ESPECIAL CORONAVÍRUS Pandemia de gripe espanhola de 1918 foi mais letal e mais contagiosa. Pág. A15 }


PRESTE ATENÇÃO...


REMO CASILLI/REUTERS

Roma. Surto teve início no carnaval e número de infecções subiu rapidamente; até ontem eram 10.149 casos e 631 mortes


DEPOIMENTO


Idoso deve evitar


aglomerações


O coronavírus é mais letal en-
tre idosos. Para se proteger,

essa parcela da população de-


ve ficar atenta a algumas dicas.






Crianças. Recomenda-se


restringir, se possível, o


contato com crianças.


Segundo o professor de Infec-


tologia da Universidade Fede-


ral de São Paulo Celso Grana-


to, elas têm mais chance de


não apresentar sintomas, mas


podem transmitir a doença.






Cuidadores. É recomen-


dável atenção a cuida-


dores e parentes com


sintomas respiratórios e, se


possível, evitar o contato.






Higiene. Deve-se adotar


medidas de higiene,


como lavar as mãos e


evitar aglomerações.

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