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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A
THE NEW YORK TIMES
As comparações se acumu-
lam, mas a pandemia de gripe
espanhola de 1918 continua a
ser de longe a mais mortal da
história, bem à frente do no-
vo coronavírus. À época, ma-
tou pelo menos 50 milhões de
pessoas em todo o mundo (o
equivalente a 200 milhões ho-
je), sendo meio milhão delas
habitantes dos Estados Uni-
dos. Talvez o mais alarmante
é que a maioria dos mortos pe-
la doença estava no auge da vi-
da – geralmente entre 20 e 40
anos –, em vez de idosos ou
pessoas com a imunidade en-
fraquecida.
Mesmo com a atmosfera de
medo – com direito a máscaras
cirúrgicas, armazenamento de
alimentos e assembleias públi-
cas sobre a prevenção da doen-
ça – e possíveis consequências
econômicas semelhantes às de
1918, a realidade médica é bem
diferente. “Enfermeiras costu-
mavam dar de cara com cenas
que remetiam às dos anos da
praga do século 14”, escreveu o
historiador Alfred W. Crosby
em America's Forgotten Pande-
mic: The Influenza of 1918 (Pande-
mia esquecida pelos Estados Uni-
dos: a gripe espanhola de 1918, em
tradução livre). “Uma enfermei-
ra encontrou no mesmo quarto
o corpo do marido morto pelo
vírus e a mulher com gêmeos
recém-nascidos. Vinte e quatro
horas haviam se passado desde
a morte e o nascimento naquela
família, e a esposa tinha comido
apenas uma maçã que estava
perto dela.”
Em 1918, o mundo era um lu-
gar muito diferente. Os médi-
cos sabiam que existiam vírus,
mas nunca haviam visto um –
não havia microscópios ele-
trônicos, e o material genético
dos vírus ainda não havia sido
descoberto. Hoje, no entanto,
os pesquisadores não apenas sa-
bem como isolar, mas conse-
guem identificar sua sequência
genética, testar medicamentos
antivirais e desenvolver uma va-
cina. No passado, era impossí-
vel testar pessoas com sinto-
mas leves para que pudessem
ser colocadas voluntariamente
em quarentena. E era quase im-
praticável fazer o rastreamento
do contágio, pois a gripe pare-
cia infectar – e causar pânico
em – cidades e comunidades in-
teiras de uma só vez. Além dis-
so, havia pouco equipamento
de proteção para os profissio-
nais de saúde, e os aparelhos
com respiradores, que podem
ser usados por pessoas muito
doentes hoje, nem existiam.
Com uma taxa de mortalida-
de de pelo menos 2,5%, a gripe
de 1918 era muito mais mortal
que a gripe comum, e tão infec-
ciosa que se espalhou ampla-
mente e resultou em um núme-
ro de mortes elevado. Pesquisa-
dores acreditam que a pande-
mia poupou pessoas mais ve-
lhas porque elas já tinham algu-
ma imunidade a ela. Eles teori-
zam que décadas antes houve
uma versão desse vírus, embora
não tão letal, que se espalhou
como uma gripe comum. Os ido-
sos de 1918 teriam sido expos-
tos a essa gripe e desenvolve-
ram anticorpos. Quanto às
crianças, a maioria das doenças
virais – sarampo, varicela – é
mais mortal em adultos jovens,
o que pode explicar terem sido
poupadas.
Expectativa de vida. Indepen-
dentemente do motivo, foi um
desastre para a expectativa de
vida. Em 1917, era de 51 anos nos
Estados Unidos. Em 1918, foi de
apenas 39. O novo coronavírus
tende a matar pessoas mais ve-
lhas e pessoas com imunidade
afetada por condições médicas,
mas parece não matar crianças.
Tudo isso significa que terá mui-
to menos efeito, se houver al-
gum, na expectativa de vida. /
TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
ESPECIAL CORONAVÍRUS
Pandemia
de 1918 foi
mais letal e
contagiosa
Coimbra cancela
aulas e Portugal
veta voo da Itália
Brasil tem cinco internados e planos devem cobrir testes. Pág. A16 }
lO que a situação atual tem em
comum com 1918 é o teor da
preocupação pública. Em 3 de
outubro de 1918, a Filadélfia fe-
chou todas as escolas, igrejas,
teatros, piscinas públicas e ou-
tros espaços públicos de encon-
tro. Em Tucson, o conselho de
saúde proibiu as pessoas de saí-
rem às ruas sem usar máscara.
Ações semelhantes estão sen-
do tomadas hoje. Mas a epidemia
anual da gripe sazonal está se
mostrando muito mais devastado-
ra do que o novo coronavírus. O
Centro de Controle e Prevenção
de Doenças (CDC) informa que
houve pelo menos 34 milhões de
infectados com gripe durante os
últimos meses, 350 mil hospitali-
zações e 20 mil mortes. Esses
óbitos incluem 136 crianças, qua-
se 10 vezes o número de mortes
pelo coronavírus. / NYT
EDWARD A. "DOC" ROGERS / OAKLAND HISTORY ROOM, OAKLAND PUBLIC LIBRARY
Gripe espanhola matou há um século o
equivalente hoje a 200 milhões de pessoas
Oakland, 1918. Na época, médicos sabiam que existiam vírus, mas nunca haviam visto um
Apesar de ter número inferior
de casos de coronavírus, em
comparação com outros países
da Europa, Portugal decidiu am-
pliar medidas de controle para
evitar um surto. No país, são 30
casos confirmados da doença e
não há registro de mortes.
As Universidades de Lisboa e
de Coimbra, uma das mais anti-
gas da Europa, suspenderam to-
das as aulas presenciais por pre-
caução e hoje o país avaliará se
fecha por completo as escolas
portuguesas. Em Felgueiras e
Lousada, no norte do país, onde
a maior parte dos casos está con-
centrada, escolas e espaços pú-
blicos já haviam sido fechados
no domingo.
Além disso, as partidas da pri-
meira e da segunda divisão da
liga portuguesa de futebol se-
rão realizadas a portas fecha-
das, conforme anunciou ontem
a federação nacional. A duração
da medida não foi informada.
Ontem, Portugal também de-
cidiu suspender por 14 dias to-
dos os voos que têm como desti-
no ou origem a Itália, epicentro
da epidemia de coronavírus na
Europa.
Espanha e Reino Unido. A res-
trição também foi adotada pela
Espanha, que teve aumento de
casos e mortes pela doença nos
últimos dias. O país cancelou
até 25 de março todos os voos
diretos de qualquer aeroporto
na Itália a qualquer aeroporto
espanhol. O governo espanhol
confirmou ontem 1,2 mil casos
e 30 mortes.
No Reino Unido, a subsecre-
tária de Saúde, Nadine Dorries,
de 62 anos, anunciou ontem
que apresentou resultado posi-
tivo para o coronavírus. “Me
submeti a isolamento domici-
liar”, informou. O país tem 323
casos. /AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
Gripe comum levou
a 20 mil mortes só
este ano nos EUA