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B10 Economia QUARTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
No Brasil
Telefónica dobra
aposta em startups
A Telefónica anunciou nesta
semana que vai investir até
R$ 1 milhão em startups bra-
sileiras, por meio da área de
inovação Wayra – antes, o
cheque máximo para as nova-
tas era de R$ 500 mil. Além
disso, a empresa anunciou
um aporte no fundo brasilei-
ro Redpoint eventures.
foi o lucro gerado em
2019 pela fintech,
que tem capital aberto na
bolsa nos EUA
R$ 804,2 mi
SILVIOMEIRA
empreendedores
usaram serviços da
firma de pagamentos
Stone desde 2018
S
e um sistema afeta a vida das pessoas, exi-
ge-se que seu comportamento seja justo.
Pelo menos no que costumamos chamar
de civilização. Ser justo é tratar todos da mesma
forma em cada contexto, sem favorecer ou discri-
minar. Dito assim, fica fácil ver que o mundo é
injusto e que a busca por mais justiça será eterna.
Em tal mundo, injusto, estamos escrevendo algo-
ritmos para tomar decisões sobre a vida das pes-
soas. E é certo que devemos fazer o melhor que
podemos para que eles sejam justos. Pelo menos
tanto quanto possível.
Há muita pesquisa sobre como garantir que
um algoritmo é justo. Mas parece ser impossível
mostrar que um algoritmo, incluindo os de inteli-
gência artificial (IA), é justo sem informação de
fora do sistema. Em outras palavras, não é possí-
vel escrever um algoritmo que decide se um ou-
tro é justo ou não. Quase certamente, ao invés de
deixar certas classes de decisões que afetam a
vida das pessoas a critério de um algoritmo, tal-
vez seja mais prudente – e muito mais justo – ter a
análise e recomendação feitas por um algoritmo
apenas como parte do processo de tomada de
decisão e longe da intervenção que, lá no mundo
real, tentará resolver um problema.
Parafraseando Stuart Russell, algoritmos são
benéficos na medida em que se espera que suas
ações alcancem nossos objetivos. O problema, aí,
é o significado de “nossos”. Numa rara oportuni-
dade para entender os meandros de sistemas que
tratam pessoas, o estudo de um algoritmo de re-
tenção de segurados nos EUA mostrou que sua
essência era cobrar menos dos clientes com mais
chance de mudar de seguradora e cobrar mais
dos clientes mais fiéis. Em que serviços isso acon-
tece no Brasil? Será que nossos reguladores do
setor de seguros e finanças, além de telecom e
outros, não deveriam avaliar os algoritmos de
seus regulados para saber se os clientes estão
sendo tratados de forma justa?
Algoritmos tomam decisões que, cada vez
mais, afetam vidas. “Eles”, ou seus responsáveis,
terão que se explicar quando a justiça de suas
ações for posta em causa. No caso das caixas pre-
tas de IA, as explicações deverão ser formais e isso
não vai ser fácil, até porque será preciso confiar
em quem cria as explicações. E isso, por sua vez,
pode criar mais problemas do que resolve. Uma
das soluções para tratar as caixas pretas é código
aberto. Deveria ser óbvio, já que quase todos os
sistemas relevantes do presente e do futuro estão
na nuvem, interdependentes de muitos outros sis-
temas. Abrir o código para análise por terceiros
não afeta a essência do modelo de negócios e cria
a transparência mínima para que se confie que
“suas ações alcançam nossos objetivos”.
Mais cedo do que tarde, haverá uma demanda
para proteger as pessoas dos algoritmos e nós
deveríamos estar discutindo como fazer isso des-
de já. Para evitar, que no futuro, se tome decisões
legislativas sem as necessárias reflexões para fa-
zer algo de longo prazo, exequível e, principal-
mente, justo. Para as pessoas e os algoritmos,
também.
]
É PROFESSOR EXTRAORDINÁRIO DA CESAR.SCHOOL, FUN-
DADOR E PRESIDENTE DO CONSELHO DO PORTO DIGITAL
E CHIEF SCIENTIST NA DIGITALSTRATEGY.COMPANY
investimento
Sócios da VivaReal
apostam na AoCubo
A AoCubo, plataforma com
mais de 9 mil corretores cadas-
trados, vai receber um aporte
financeiro de Brian Requart e
Diego Simon, cofundadores da
startup de imóveis VivaReal.
Focada em novos empreendi-
mentos e serviço personaliza-
do, a proptech não divulgou o
valor do investimento.
Em cenário de disputa de números
dados, empresa inaugura
divisão responsável por
conhecer profundamente
clientes e parceiros
1.800
14 mi
é o número de usuários
cadastrados atualmente no
PicPay; empresa de
pagamentos quer crescer
base para 100 milhões de
cadastrados até 2028
Mundo injusto,
algoritmos justos
Bruno Romani
Com 14 milhões de usuários
cadastrados, o PicPay é uma
das principais fintechs de pa-
gamentos do País. Até 2028, a
carteira digital que pertence
ao Banco Original, controlado
pela família Batista (da J&F),
quer ganhar ainda mais espa-
ço: a ideia é saltar para 100 mi-
lhões de clientes cadastrados.
Para chegar lá, a companhia es-
tá apostando alto no uso de in-
teligência artificial (IA), crian-
do algoritmos para conhecer
os clientes e parceiros a fundo
e oferecer serviços e produtos
“ao gosto do freguês”.
O projeto será encabeçado
por Isaac Ben-Akiva, doutor pe-
la Universidade de Toronto e
ex-diretor de aprendizado de
máquina do banco britânico
Barclays. Recém-chegado ao
País, o executivo será o diretor
de inteligência artificial do Pic-
Pay, na qual deve montar uma
equipe de 50 cientistas de da-
dos até o fim do ano – no Bar-
clays, sua equipe tinha 250 pes-
soas. A área será um dos princi-
pais destinos de contratação do
PicPay, que tinha 200 funcioná-
rios no início de 2019 e quer che-
gar ao fim de 2020 com 1,8 mil.
“A aplicação que teremos de
IA não será conservadora. O
grande objetivo é entender o
cliente. Se você consegue uma
boa representação, você tem a
possibilidade de criar modelos
preditivos mais fortes e preci-
sos”, explica Ben-Akiva, em en-
trevista exclusiva ao Estado.
“Isso possibilita entender carac-
terísticas psicossociais e trazer
para a economia comportamen-
tal. Junto com o histórico de
transações, o entendimento fi-
ca muito maior”, diz.
A construção de perfis de
clientes, algo já feito em escala
global por gigantes como Face-
book e Google há mais de uma
década, vive um período de aque-
cimento no sistema financeiro
brasileiro. Por aqui, empresas e
startups tentam ir além do enten-
dimento dos clientes por meio
de dados tradicionais como pon-
tuações de birôs de crédito e his-
tórico de compras. O PicPay tam-
bém está de olho no uso de da-
dos “não tradicionais” – como a
frequência e o tipo de compras
realizados por um usuário, bem
como a relação
com bons pa-
gadores.
“O PicPay tem um elemento
social, que permite o cadastro
de amigos e, com ele, movimen-
tações financeiras. Com isso, é
possível fazer correlações que
permitem oferecer produtos”,
explica Gueitiro Genso, que as-
sumiu a presidência executiva
da empresa há nove meses. An-
tes, ele já teve postos de lideran-
ça no fundo de previdência Pre-
vi e na Vale, além de ter dirigido
várias áreas do Banco do Brasil.
Ben-Akiva diz inclusive que é
possível buscar dados de com-
portamento em outras redes so-
ciais, como Instagram, mas que
isso não é desejável no momen-
to, dado o grau de críticas e des-
confiança que vivem os gigan-
tes da tecnologia. “Isso envolve
um contrato social. Tem de ser
tudo transparente”.
Modelos. O projeto do PicPay
ocorre num tempo em que a di-
ferenciação entre fintechs e em-
presas tradicionais do setor não
ocorrerá pelos tipos de dados,
mas pelo o que é feito com eles.
Hoje, o sistema é fragmentado:
bancos, emissoras de cartões e
varejistas têm dados específi-
cos de partes do processo de pa-
gamentos de um cliente.
No segundo semestre, come-
çará a ser implementado no Bra-
sil o sistema de open banking,
que permitirá o compartilha-
mento de informações dos clien-
tes no setor financeiro. Assim,
rivais terão acesso a praticamen-
te os mesmos dados. Saber o
que fazer com eles por meio de
modelos de IA será fundamen-
tal no cenário em que a disputa
do PicPay não ocorre apenas
com serviços nativos digitais, co-
mo o Mercado Pago, mas tam-
bém com bancos tradicionais.
“Hoje, 80% do tempo de um
cientista de dados é aplicado na
preparação de dados. Selecio-
nar as variáveis para a máquina
trabalhar é a parte mais difícil. É
isso que vai gerar vantagem com-
petitiva”, explica Ben-Akiva.
A diferenciação por saber o
que fazer com as informações
pode inclusive determinar
quem sobreviverá nesse merca-
do. “Tenho dúvidas se todos os
apps que se propõem a ser car-
teira digital estarão vivos daqui
dois anos. Se os modelos do Pic-
Pay para usuário final funciona-
rem, o app poderá prevalecer”,
explica Fábio de Miranda, coor-
denador do curso de Engenha-
ria da Computação do Insper.
À la carte. O primeiro modelo
de IA do PicPay começou a ser
produzido no final de fevereiro.
Ele será voltado para o paga-
mento de cashbacks – retorno
financeiro após o pagamento –
aos clientes. “Não adianta, por
exemplo, dar um cashback em
bilhetes de metrô para quem
não usa transporte público”, ex-
plica Genso.
A ideia de poder oferecer pro-
moções personalizadas é um
dos fatores que a companhia es-
pera aumentar a base de clien-
tes – na mira, estão os 45 mi-
lhões de brasileiros desbancari-
zados. A personalização poderá
ser boa também para quem ven-
de. Um supermercado que pre-
cisa fazer promoções para elimi-
nar estoque com validade próxi-
ma ao vencimento pode saber
exatamente quando e para
quem anunciar, diz Genso.
A nova área de IA também indi-
ca que a disputa que deve se acir-
rar. “Pode haver uma guerra de
preços em torno do cashback.
Não se pode exagerar na dose,
então o uso de IA para controle é
fundamental. ”, explica Luiz Ku-
gler, pesquisador da FGV.
No futuro, a companhia espe-
ra servir como uma plataforma
de produtos de crédito de ou-
tras instituições, bem como ter
um analista financeiro automa-
tizado para cada usuário. As me-
lhores indicações, claro, serão
feitas pela máquina. É uma si-
tuação que parece sem volta, co-
mo afirma Ben-Akiva. “Os mo-
delos precisam ser aplicados ao
processo de negócios. É uma
mudança cultural.”
HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO
495 mil
PicPay faz aposta em inteligência artificial
Novato.
Genso
(esq.)
reforçou
área de
IA da
PicPay
com
Ben-Akiva
é o número de funcionários
que companhia espera atingir
até o fim de 2020; desses
postos, 50 serão dedicados
ao time de inteligência
artificial
STONES