tapava os olhos quando se tornava, por exemplo, séria de repente, a pensar, o cabelo
desiludiu-me mas não abri a boca acerca disso, as orelhas à mostra, os brincos que eu
não conhecia, quem tos ofereceu não me mintas, diz lá, interroguei-me naquela
confusão de gente, abraços, risos, choro, se no caso de a ter visto assim quando da
primeira vez lhe perguntava
- Dá-me licença que a acompanhe?
o abraço dela rápido, sem força, o meu abraço rápido, sem força, comportando-nos
como estranhos, não era assim que nos abraçávamos, não era assim que nos tocávamos,
não era assim que nos fitávamos depois, o resto da minha família idêntica, eu mudado
mas reconheço mal estas expressões, estes gestos, é consigo que vou morar agora
porque o tu não me saía, poisei-lhe a mão ombro e retirei-a logo dado que o ombro
diferente da minha lembrança dele, recordei-me da criatura dos anéis - Fui uma vez a Portugal e voltei no primeiro barco porque não me entendia com
ninguém
nem a minha mãe, nem o meu pai, nem um primo com quem tinha vivido, o que
Angola altera as pessoas senhores, tornam-se outras, cerimoniosas, distantes, fingindo
conhecerem-nos sem saberem quem somos e daqui a nada uma mina, um ataque, daqui
a nada uma cabra a embaraçar-se-nos nas pernas, latas ferrugentas junto ao arame a
pedirem comida, o meu pai para mim, com uma prega nova na testa enquanto me
parecia que uma explosão ao longe, provavelmente um antílope que pisou uma mina,
provavelmente um fio mal ligado, tantos abraços de repente, tantas lágrimas, tantos
mortos por ali que os helicópteros não levavam - Parece que não estás radiante de nos veres tu
a minha mãe quase pendurada do meu corpo mas seria a minha mãe, o meu filho a
tropeçar enrolado nas minhas pernas, um grupo de raparigas aos pulos em torno de um
soldado meu - Fernando Fernando
que as espiava aterrado, a certeza que o general, invisível, a ler um papel que não
existia, recomeçando o seu discurso de dois anos atrás - Vejo nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria
quando a Pátria apertões, gritos, xailes, lenços, gaivotas assustadas que grasnavam,
grasnavam, a minha mulher a dar-me o braço mas seria a minha mulher aquela, não me
diz nada este perfil, não me diz nada esta voz, não me diz nada este cheiro, esta língua
na minha boca da criatura de Luanda ou sua, este peito contra o meu de nenhuma das
duas, uma palma discreta e rápida nas minhas calças sem que eu lhe tivesse pago, sem
que lhe tivesse pedido sequer, nem - Dá-me licença que a acompanhe?
eu perguntei, via-a passar por mim e foi tudo não me atraía sequer muito mas já
agora, não é, e depois pode ser que morda o isco, pode ser que, isto sem compromissos,
claro, sem garantias, sem promessas, uma brincadeira embora de expressão séria, um
passatempo, a gente aos vinte anos não avalia as coisas e depois, claro, paga por isso,
olha-se para a mão e uma aliança, imagine-se, um apartamento que não conhecíamos,
roupa de mulher misturada com a nossa, aqueles tecidos suaves, aquelas cores que
excitam, secadores de cabelo, frascos de perfume, coisas de verniz, cheiros que dão