já não nova coitada, amarelenta, gasta, espero não errar com a faca amanhã e juro
que não sinto ódio neste momento, senhor, mesmo que não compreenda, e eu
compreendo e não compreendo mas gosto de si, não tem culpa que lhe tenham
entregado um papelinho ao voltar do emprego
- Chegou isto pelo correio para ti
e o que fazer com isto senão obedecer, consentir que lhe rapassem o cabelo, o
fardassem, lhe arrancassem três dentes - Não queremos que haja problemas depois e ao menos estes ficam resolvidos
observando-o a gastar meses de humilhações e ordens em quartéis desconfortáveis,
gelados, porque chuva civil não molha militar, porque o soldado português é tão bom
como os melhores, porque o segundo pelotão é aquele pelotão, porque pela Pátria dar
a vida é viver não é morrer, porque esse bracinho mais para cima ao marchar nosso
cadete, esse bracinho de menina mais para cima seja macho, porque Portugal uno e
indivisível do Minho a Timor, porque a defesa da civilização cristã contra o comunismo
ateu é uma batalha sagrada, porque não gaste a lama toda ao rastejar por causa do
palerma que vem atrás de si, porque a fanfarra no dia do embarque requer aprumo e
moralidade, as viaturas certinhas seus bandalhos, as mesmas que começaram a deixar
o quimbo depois de destruírem aquela merda toda, porque sinto nos vossos semblantes,
porque orgulhosamente sós, porque ganhamos as cruzadas aos infiéis, porque o Infante
Santo, porque o Condestável, porque os tomates mademuazeles, sobretudo os tomates,
nem um tomate fora do sítio palermas, porque o regresso ao arame com um gosto
esquisito na boca, porque vá lá para fora capelão que a conversa não é para senhoras,
porque os mortos só morrem se os vivos os não merecerem, porque um soldado para
mim - Meu alferes
antes de um tiro de gê três na boca e a cabeça uma melancia rachada, o porco e o
meu pai a fitarem-se quase com dó como se fitarão com dó amanhã, porque os gritos
do animal, porque o sangue nos alguidares, porque a minha filha baixinho - Pai
a minha filha tão baixinho - Pai
que não tenho a certeza de a haver escutado, porque se alguém tem de matá-lo
prefiro que seja eu, apesar do meu pai de bruços no chão prefiro que seja eu, a fêmea
que comandava os restantes gansos em qualquer ponto da serra a grasnar, a minha mãe
acomodando melhor a blusa enquanto o médico colocava o processo em cima de outros
processos - Cá estamos na luta
ou seja uma outra forma de - Vamos ver vamos ver
isto enquanto a minha mãe ainda com força, já magríssima, já com dores mas capaz
de trabalhar em casa embora um bocadinho mais lenta, embora parando encostada à
cômoda, de queixo torcido e olhos na gente sem nos verem, viam o que lhe parecia um
vazio, sem objetos, sem pessoas, sem emoções nenhumas, que se contraía e dilatava e
no nada sentimento algum, vontade alguma, medo algum, qualquer coisa que não lhe