para cortar orelhas, para cortar mãos, ao segundo golpe consegue-se, a polícia enxotava
pessoas para longe do cais
- Acabou-se acabou-se
eu com um avental de oleado, a minha irmã a tapar a cara - Meu Deus
não com força, com cuidado como se nela pedras também, os militares já afastados,
as árvores apenas e em baixo, de quando em quando, o rio, os antílopes que bebiam à
noite, um ou outro leopardo que os não perseguia, o meu pai com a minha irmã às
cavalitas para cá e para lá no corredor, primeiro a trote, depois a galope, depois a trote
de novo, depois parado - Tu matas-me
ele que dantes corria com ela tempos sem fim, a minha mãe preocupada - Olha que tu cansas
enquanto eu experimentava os movimentos da faca com o pulso e ele tentava seguir-
me torcendo-se no interior das cordas a perguntar - És tu que vais matar-me?
o homem de bruços no chão que fingia não me conhecer e eu não conhecia, quando
se deitava na esteira da minha mãe o quimbo baloiçava e apesar do silêncio as cabras
trotavam para o terreiro, assustadas, nunca tive irmãos, tive esta irmã branca - Meu Deus
já não se via Lisboa do paquete, via-se o mar pardo, um furriel a assoar lágrimas, o
soldado português é tão bom como os melhores, o soldado português é tão bom como
os melhores, o soldado português é tão bom como os melhores, percebemos entre dois
salva vidas, por um instante, golfinhos, nenhum golfinho depois, apenas o ruído das
hélices, nada a não ser o meu pai a poisar a minha irmã no chão - Não posso mais
a alargar o nó da gravata no sofá, a minha mãe arrumando o cesto da costura do seu
lado - Apetece-te comer qualquer coisa?
e não lhe apetecia comer nada - Não sou capaz de engolir seja o que seja
o capitão à nossa espera no arame - Nenhuma baixa?
enquanto os catangueses conversavam em suaíli junto ao paiol e o homem da polícia
política entrava com dois milícias fardados e desaparecia com um preto de mãos atadas
atrás das costas que um dos milícias ia picar, Portugal uno e indivisível, com um canivete,
Portugal uno e indivisível do Minho a Timor, troquei a faca larga por uma mais comprida
a pensar onde seria a carótida do meu pai, junto a esta prega, junto àquele tendão, não
sei se as pulsações que sentia eram minhas ou dele, o meu pai para mim a colocar-me
entre as pernas, no jipe - Rapaz
quando íamos caçar à noite com um farol no capô, às vezes formas cinzentas
galopando ao longe, às vezes na, o primeiro pelotão não é melhor nem pior, é aquele
pelotão, a maior parte das vezes nada, o meu pai para o condutor