o corpo da minha irmã vibrava, de boca a comer-se a si mesma consoante comia o suor
do nariz e da testa, eu para a minha irmã e para a nespereira que se amparavam uma à
outra, as duas com tantos braços, qual de vocês vai secar mais depressa, inclinar-se, cair,
se ao menos relâmpagos no Mussuma incendiando o capim que a eletricidade ajuda, se
ao menos nesta horta uma liambazita que amansasse as cólicas, não conheço ninguém
na vila exceto o empregado da oficina, chegamos lá e perguntamos a quem, diz-me, aos
velhos de samarra que não falam sequer, a única resposta que dão, enquanto afiam um
pau com a navalhinha, é chuparem o cuspo das mortalhas apagadas, numa rua próxima
à capela a anunciar o domingo, ninguém se parece tanto com o outono como os sinos,
quando morre uma pessoa, mesmo em junho, outubro sempre e a luz, logo de manhã,
com saudades, e depois o homem que me leva às cavalitas não para, não irá parar nunca
para fugir à tropa, ao helicanhão, às gê três
- Mata mata
a minha irmã para mim - Vamos a Lisboa por favor
e eu para a minha irmã ou para a nespereira, qual das duas sofria, como temos tempo
de ir a Lisboa com a matança do porco, já na furgoneta a fungar o chão, daqui a uma
hora no máximo, o sangue nos alguidares, o corpo que quase rebenta as cordas, os
gritos, não consegues aguentar-te sem afligir os pais, não consegues ter um
comportamento de mulher a sério, sorrir às cólicas, calares-te, não te coçares assim, não
chorares, os mabecos em torno dos leprosos, à espera, e o homem que me levava a
apontar-lhes o canhangulo, aqueles focinhos agudos deles, aqueles dentes, o meu pai,
mesmo com o jornal no sofá, sempre na guerra, obrigando o unimogue a avançar ao
lado da picada, a minha mãe a afastar as pedras que tentavam impedi-la de respirar - Dá-me licença que a acompanhe?
e ela calada na poltrona, quieta, sem nos ver, tu nesse estado, eu preto, não há uma
só pessoa normal nesta família, meu Deus, capaz de existir por nós todos, a minha avó - O que me saiu na rifa
a respirar essas flores dos diabéticos, com panos molhados nas feridas das pernas,
era o porco que existia sozinho por nós todos, ocupava a casa da aldeia e não a pocilga,
dormia nas nossas camas, dava-se com os vizinhos, sentava-se num banquito a ver a
tarde sem conversar com ninguém, as mudanças da luz, a chegada da noite quando a
acácia deixa de existir transformada em suspiros e a capoeira soluçozitos discretos, o
homem de bruços na chana comigo e a sensação estranha, difícil de explicar, que entre
ele e eu, que entre nós, isto pouco tempo antes da tropa entrar no quimbo, antes das
orelhas, das mãos, das granadas juntamente com o gasóleo na palha, o soba de joelhos - Senhor
a perder a catana, a procurá-la na terra, a gatinhar contra as botas de um soldado - Senhor
que lhe pisava os dedos empurrando-o com o cano da gê três - O que se faz com este?
lembranças perdidas que voltam de repente, chegadas de que parte de mim ou então
foi a vinda do porco que mas trouxe, Sua Excelência - O que se passa?