e uma pancadita nas minhas costas, divertido, a observar-me melhor, a tornar-se
sério
- Estava a brincar pateta
a tornar-se mais sério ainda - Não me digas que acreditaste no que eu disse
uma expressão ofendida - Como se eu fosse capaz de te fazer mal como se eu fosse capaz de te magoar
e uma cara idêntica àquela de quando se aborrecia com a minha mãe porque a sopa
fria demais ou uma nódoa no colarinho de uma camisa engomada, ele que no início todo
cerimônias, mesuras, respeito - Dá-me licença que a acompanhe?
e depois uma impaciência aqui, outra ali - Demoras tanto tempo a contar uma história
o meu pai a examinar a adega - Sim senhor sim senhor
pensando que o meu avô gostaria de aqui estar coitado, ainda temos dinheiro para
matar um porco, ainda não somos pobres, os cães deviam começar a cheirar qualquer
coisa porque se inquietavam, trotando de um lado para o outro de focinho no ar e nisto
a minha irmã chamando o meu nome, dobrada para diante, a vomitar nas alfaces, quer
dizer primeiro dobrada para diante, a seguir de joelhos, a seguir deitada na terra, por
favor levanta-te antes que o pai te veja, não o assustes, enquanto a minha mãe
caminhava devagarinho tentando equilibrar as pedras, no interior de si mesma, no
sentido da porta das traseiras, que mal fizemos ao nosso corpo para que ele se vingue
agora, Sua Excelência para mim - Por favor não me obrigues a ir-me embora sozinha
assustada com o meu pai, assustada com o porco, assustada com a minha mãe,
assustada comigo, a pensar, sem compreender que pensava - Quem estão eles a matar?
- Quem vão eles matar?
- Porque têm eles de morrer?
compreendendo apenas o seu medo, com ganas de enrolar-se no sofá da nossa sala
e esquecer a casa da aldeia, a minha família, tudo, olhar o Tejo apenas, olhar as gaivotas,
as andorinhas do mar, os albatrozes, as nuvens, a minha mãe a caminhar devagarinho
na direção da porta do quintal com todas as suas pedras em torno, entrando-lhe e
saindo-lhe do corpo, voando à sua roda, aproximando-se, afastando-se, tantas pedras,
meu Deus, tão mais leves que a água, só os mortos no chão dos quimbos mais pesados,
descendo lentamente terra abaixo e transformando-se em erva, o médico para a minha
mãe - Ainda cá estamos não estamos?
e ainda cá estamos de fato mas estamos onde, no corpo de um animal ou nos
alguidares de sangue, a minha irmã ao ver as facas - Não
da mesma forma que a minha mãe para as pedras - Não