procurando afastá-las com os dedos que trabalhavam ainda sem conseguir que se
fossem, o homem que me levava às cavalitas tentava proteger-me fugindo da guerra,
tentava proteger-me da casa da aldeia, com o buraco da sua bala na cabeça e o meu
sinal no pescoço, longe dos velhos que me espiavam no largo, longe dos prediozitos em
ruína e dos gansos selvagens, com a fêmea buzinando à frente, que se escapava
também, Sua Excelência para mim
- Nem os gansos aguentam isto já viste?
a minha mãe no quintal, apoiando-se no muro agora que ninguém - Mata mata
que nenhum fio de tropeçar, nenhum napalm, nenhuma bazuca, nenhum esfoliante,
nenhum general - Sinto nos vossos semblantes
a umidade do cacimbo apenas, os sapos, as rãs, a preta sem mãos - Aiué mamá
a fitar-me, o feiticeiro que dançava sobre o galo degolado agitando uma cabaça de
búzios, o vento, de súbito, a deitar o capim, as árvores confusas, os bichos, o silêncio
das coisas, o apontador de metralhadora calado, sério, tranquilo e apesar do sol tanta
noite por baixo meu Deus, tanta noite, a vida dos insetos no escuro, as conversas dos
mortos, Sua Excelência - Vou fazer a mala e vou andando para o carro
e eu - Espera
porque dentro de uma hora se tanto estaria tudo acabado e nós de regresso a Lisboa
já quase esquecidos de termos estado na aldeia, talvez os meus pais lá ficassem mais
tempo para deixarem crisântemos no jazigo e o meu pai a olhar a serra antes de se vir
embora, segundo ele foi feliz ali, as galinhas do mato que as raposas comiam, a aldeia
maior, uma farmácia, um café, se o capitão para o meu pai - Deixe-se de sentimentos de criança e destrua-me aquilo tudo nosso alferes
de certeza que éramos mais sortudos agora, Sua Excelência da porta da cozinha - Já tenho a mala pronta
exceção
ela que desde a véspera, sei lá porquê, me tratava como um branco, a mesma
consideração, a mesma cerimônia, a amiga com ciúmes de mim, sem lhe tocar, sem lhe
sorrir, cirandando pelas ruas a planear vinganças, subitamente mais velha, quase da
idade da minha mãe sem pedras, a espreitar-me com ódio, a minha irmã que vomitava
junto à nespereira já não aflita, exausta, o homem de bruços no chão, comigo nos seus
ombros, tão longe afinal, se lhe chamasse, por exemplo - Pai
não entendia, contornamos um riacho, outro riacho, vimos uma manada de bois
cavalos a trotarem sem pressa, vimos veados, o arame farpado da tropa tão longe, de
quando em quando casitas de colmo que as formigas vermelhas iam comendo, as
trepadeiras nas colunas caídas, um lince empoleirado numa mesa a espreitar, se
chamasse - Pai