indivisível do Minho a Timor, Sua Excelência a tentar beijar-me nós que há séculos não
nos
- Por favor vem comigo
beijávamos, numa voz que não ordenava como de costume, pedia - Por favor vem comigo
o meu pai a acenar-nos de longe - Chegaram cedo vocês
com a minha irmã a soltar-se da nespereira e os ramos a mexerem-se para cima e
para baixo um bocadinho, o branco do trator, reparava agora, um olho mais aberto do
que o outro, sem pupila, cego, há quanto tempo teria vindo do jardim da Europa à beira
mar plantado, quase tão indigente como os pretos, quase tão miserável enquanto as
rodas, coitadas, se esforçavam na erva, claro que cheguei cedo, nenhum de nós podia
perder a nossa morte pois não, Sua Excelência uma expressão de criança que não lhe
conhecia - Não quero ficar sem ti
como se eu fosse importante para ela, como se gostasse, ou fingia que gostava, um
bocadinho de mim, o meu pai - Ainda bem que não me percebes pretinho
mandando um furriel formar o pelotão, comigo atrás dele e não percebia fosse o que
fosse de fato consoante não percebia o peso das pedras ou a mulher sem orelhas nem
mãos, o homem ergueu-me de novo até aos ombros dele e a mata outra vez enquanto
um cabíri lhe farejava os tornozelos antes de se esquecer da gente ou com medo dos
mabecos ou de uma hiena de pupilas amarelas a avançar para nós, a hesitar, a afastar-
se, a minha irmã para Sua Excelência e para mim, coçando-se sem descanso - Vou com vocês para Lisboa
e não vamos para, o segundo pelotão não é melhor nem pior é aquele, e não vamos,
pelotão, para Lisboa, se desceres à estrada nenhuma camioneta porque ninguém a esta
hora, ficas no meio dos plátanos a acenar a ti mesma, um cabo quarteleiro distribuía as
rações de combate enquanto a berliê à espera para nos transportar até à ponte e deixar-
nos, o capitão num caixote em silêncio, as últimas borboletas do cacimbo, o deus Zumbi
em toda a parte agora, o alferes da berliê a acenar ao meu pai - Mesmo que eu chame por ti não me venhas buscar
os cães vadios do arame a cheirarem-nos, os camuflados desbotados depois de
tantos meses, quase sem cor, consertados por uma agulha com pressa, o Bichezas no
degrau da messe a esfregar um prato com o morteiro dele mesmo em frente, vertical
como sempre, o psicólogo do hospital a ouvir-nos no círculo de cadeiras, cruzando a
perna, descruzando a perna, cruzando a perna de novo, o intervalo entre a calça e a pele
sem nenhum pelo que o tempo passa senhor, ainda agora vinte anos e já cinquenta, já
sessenta, cada vez menos militares nos almoços da tropa porque continuam a morrer
não aqui, em Angola, apesar de lá não estarem é em Angola que se morre, ainda que
pareça uma vila do norte com uma praia ao pé, dessas onde as gaivotas poisam no
peitoril das janelas, o comandante faleceu há que tempos, claro, o oficial de operações,
amigos das prisioneiras, faleceu igualmente, a casa da aldeia, nota-se logo, a despedir-