e eu ao lado dele de regresso ao arame, não junto ao condutor, no banco cá em cima
para enganar os turras e sem a marca dos galões nas platinas, um bando de pombos
passou rente ao telhado, deu a volta ao eucaliptal e sumiu-se no sentido da vila, deviam
dormir junto aos sinos da igreja onde os ratos não chegam, com incisivos que parecem
unhas, curvadas, vazias, depois de acabado o porco esta casa vazia também durante um
ano inteiro, guardam-se as toalhas, guardam-se as cortinas, guardam-se os panos da
loiça na arca, fica na cômoda o retrato da irmã do meu pai que faleceu aos três anos e a
minha mãe beijava de modo que havia sempre marcas de saliva no vidro, manchas secas
e uma coluna de formigas nos azulejos da cozinha, com perus e gansos pintados, um
peru um ganso, um peru um ganso, um peru um ganso, lembro-me dos perus soluçarem,
mostravam as penas a incharem o peito com a papada vermelha a baloiçar do pescoço,
o meu pai orgulhava-se da mão certeira do pai dele e do porco nem lhe roçar o braço,
cortou as mãos à mulher, isso eu vi, não estou certo se lhe cortou as orelhas como não
estou certo, somos amigos
- Rapaz
se somos mais que amigos, parentes por exemplo - Filho
sempre um com o outro, sempre juntos, aos domingos, ao pé do Tejo, com a minha
mãe a fazer malha, a alegria de irem servir, ensinava-me a pescar, como se faz com o
isco, como se lança a linha, como se calcula a trajetória dos peixes pelas nódoas da água,
a minha mãe de vez em quando quase a ri - Dá-me licença que a acompanhe?
quase a rir-se para nós mas enquanto trabalhava na casa, e embora digam que as
brancas cantam nunca a ouvi cantar, não é que fosse triste, não sei, mas nunca a ouvi
cantar da mesma maneira que punha o ter - Fogo à vontade
ço no rádio porém não rezava com as vozes, porque casou com o meu pai embora - Dá-se bem com ele?
e não me respondia ou respondia - Tanta pergunta menino
e portanto não sei, lembro-me da caixa de costura com os botões num tubo de
pastilhas para a tosse, das agulhas espetadas numa rolha, dos alfinetes num tubo de
metal com um cavalheiro de barbas meio apagado na tampa, dos botões com dois ou
quatro buraquinhos, nunca um, nunca três, nunca cinco, os de Sua Excelência
buraquinho nenhum, cosiam-se por dentro, nunca os percebi nunca e agora o rim e as
pedras, e agora não tarda, se eu pudesse dizer-lhe, se conseguisse dizer-lhe e não
consigo, não posso, a mulher morta não deixa, entre nós dois compreende, entre nós
dois, para sempre, sou e não sou vosso filho e acabou-se, digo - Mãe
não digo - Euá mamá
digo - Mãe
e é tudo, e o