cheio de indecisões e perguntas, entre mim e a nódoa, sem grandes resultados porque
sempre que eu
- E agora?
um silêncio vacilante, o médico para mim enquanto auscultava as pedras - Está a pensar em quê?
no gabinete onde tudo era demasiado branco para não ser trágico, a marquesa, o
biombo, a secretária, as cadeiras, os galhos de uma árvore na janela, o sol lá fora, só as
nuvens escuras, o meu marido e o meu filho sentados atrás de mim, a enfermeira a
substituir o lençol da marquesa para o próximo doente, não vão eles apanhar as doenças
uns dos outros, a cara do médico, enquanto me auscultava, demasiado próxima da
minha, uma carranca de chafariz a debitar um fiozito não muito convicto de esperança
pela boca de calcário - Muito bem muito bem
eu com vontade de carregar-lhe na buzina do nariz como fazia à minha filha a dizer-
lhe - Pópó
e uma colher de sopa, na outra mão, pronta a entrar na garagem dos lábios, nós
aselhas a mentir às pessoas, tão infantis, tão patetas, o que custa fingir que acredito na
historieta das pedras, o que custa concordar - Pois claro
enquanto morro, meu Deus o que a morte dos outros nos assusta, o que a vida a
partir nos amedronta, ficamos ali não estando ali e o impulso de os procurar debaixo
dos móveis, talvez se encontre um olhar, uma frase e o que se faz com o olhar, com a
frase, recordo-me da minha mãe no hospital, a custo - Está solzinho não está?
e tem razão senhora, está solzinho, tudo iluminado, brilhante e nós iluminados,
brilhantes, nós os tons, as cores, os reflexos, ainda os nota não nota, ainda sente julho
de certeza, quando estiver melhor vamos até ao rio ver os barcos, as gaivotas e os
barcos, um senhor numa cadeira de rodas a limpar a testa no lenço ou voltamos a
Portalegre mesmo sem a avó, julgamos nós, e o médico a auscultar, a auscultar - Muito bem
porque mesmo sem a avó ela lá fora no muro à nossa espera, séria como sempre que
se achava radiante, quanto mais radiante menos simpática ela que nunca foi simpática,
mais séria, o meu marido a olhar o médico na esperança que ele lhe explicasse as coisas
com os olhos e o médico nem um soslaio sequer, exprimia-se com os ombros, um ombro
encolhido isto, um ombro mole aquilo, os ombros ou o pescoço, por exemplo da última
vez, na semana passada, apenas o pescoço - Cinco ou seis semanas no máximo
como a voz no cais dos soldados, com o meu marido lá em baixo sem que eu
conseguisse distingui-lo dos outros, eram tantos, coitados - Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem
ou seja, de fato - Cinco ou seis semanas no máximo