- Dá-me licença que a acompanhe?
não me visse sem roupa e mesmo assim pedi-lhe que cobrisse os olhos com o braço,
não com a mão, claro, porque os dedos têm frinchas, quantas vezes me disseram em
pequena - Tapa a cara que não quero que vejas agora
a fim de esconderem um caramelo que eu tinha de encontrar depois, remexendo
almofadas, e eu a ver tudo pelos intervalo das falanges, os olhos escondidos à cautela
com o braço, mesmo na casa de banho o que fiz foi pôr a camisa de dormir por cima da
blusa e da saia por causa das coisas e desabotoar-me por baixo deixando aquilo tudo
cair em torno dos meus pés, dantes bonitos, rosados, redondos, sem nenhuma veia
saída, que mudaram tanto com a idade senhores, calos, ossos tortos, manchas amarelas,
uma desgraça completa e - Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria
sei lá porquê esta frase ficou-me, escutada pelos altifalantes espalhados no cais de
embarque da tropa e dita por um general, cheio de metal no peito, em janeiro, no meio
da chuva e gaivotas e marchas todas molhadas e que lhes retirava a majestade, tal como
me ficou o berro atirado volta e meia, durante o sono, da almofada ao meu lado e o
pedido, perto da cômoda, de uma criatura diferente, que não imagino quem fosse, a
pedir - Manda mosca manda mosca
numa súplica autoritária o que parece uma contradição mas não é, escutei-as às
dúzias, todas diferentes, ao longo da vida, ninguém é mais premente do que aqueles
que pedem o - Manda mosca manda mosca
parecia trazer às vezes lágrimas dentro, depois de me deixar e apagar a luz sentia-me
no fundo de um poço com uma presença informe ao meu lado que se dilatava e encolhia,
se transformava num suspiro que desejava - Boa noite
ou num tornozelo que me roçava de leve, ou num vulto quieto a soprar, ou num
tentáculo de lula que tentava agarrar-me, mesmo de estore descido percebia-se
vagamente a janela, halos de candeeiros, o vento nas esquinas, sereias de ambulância
porque, nunca entendi o motivo, à noite se adoece mais, nenhum - Dá-me licença que a acompanhe?
substituído, vejo nos vossos, por um suspiro lamentoso, uma carícia mascarada de
toque casual e eu refugiada na pontinha do colchão, com medo, a gente ouve tantas
conversas, uma ocasião um beijo na minha nuca, outra ocasião um beijo na minha
espádua que me amoleceu um bocado e me fez sentir uma espécie de arrepio pela
coluna acima que as solas do meu pai no corredor, quando eu estava quase a voltar-me
para o beijo, estrangularam, até que em julho, dia vinte e oito de julho, uma palma no
meu rabo da qual não consegui fugir e que se foi espalhando, enorme, pelo meu corpo
todo, não só as costas, a barriga, o peito, o pescoço, a raiz das minhas pernas por fim,
aumentando o - Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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