loiça na mesa, o quadro das maçãs e das peras agora nesta sala, na parede acolá, a
capelista fechada, a farmácia fechada, o mesmo vazio na minha cabeça, a questionar-se
- E agora?
Sua Excelência a pintar as unhas para pintar qualquer coisa, em África ao menos, na
época do meu pai, sempre se morria de tempos a tempos - Quando o meu avô souber
sempre se desejava voltar, sempre nos imaginávamos regressando, sempre se tinha
a certeza que depois e afinal isto apenas, a casa da aldeia, da maneira que está, não
acredito que aguente dois invernos, arranjá-la para quê, quem a vai querer visitar, a erva
há de cobrir o cemitério, ninguém dará pelas campas ou os jazigos tombados, visto da
estrada de Lisboa nada, a prima noutro lugar sei lá onde, a filha da prima emigrada, o
meu pai mandou finalmente que pendurassem o porco e aí estava ele, de cabeça para
baixo, a protestar em roncos, não gritos ainda, as facas à espera, os alguidares por baixo,
seis ou sete helicópteros sul africanos, sem insígnias claro, passaram por nós dois a dois
a caminho de uma operação qualquer, a minha mãe com as mãos uma dentro da outra,
pela primeira vez desde que adoeceu não dei por pedra nenhuma ao olhá-la, de tão mais
leves que a água sumiram-se pela janela para sempre, se eu para elas - Dão-me licença que as acompanhe?
não encontrava nenhuma, estamos sozinhos um com o outro, pai, ao cabo de tantos
anos estamos finalmente sozinhos, você - Rapaz
com as calças do camuflado da guerra que ainda lhe serviam apesar de tão
desbotadas, tão velhas, com o blusão do camuflado aberto sobre uma camisa gasta e
rugas que não tinha no pescoço, os braços mais magros do que outrora, a olharmos um
para o outro eu que em criança não olhava para ele, eu que sempre olhei pouco para
ele como sempre olhei pouco para quem quer que fosse depois das mãos e das orelhas
cortadas, depois do homem de bruços, depois de tudo a arder enquanto os soldados - Mata mata
enquanto, mesmo a seguir aos tiros, os soldados não paravam de repetir - Mata mata
e a minha irmã não cessando de suar, três ou quatro pessoas que eu não conhecia e
o porco, o porco, nós daqui a minutos vermelhos do sangue do porco, do sangue das
galinhas e dos cabritos sem pescoço, do sangue dos cabíris, o meu pai diante de mim - Ninguém lhe toca é meu
e francamente tenho pena de matá-la senhor, não me apetece matá-lo mas tenho
que - Mata mata
fazê-lo, um golpe no pescoço apenas e você de joelhos, você de gatas, você estendido
sobre o alguidar e a minha mãe a - Desculpe senhora
ver-nos, a minha mãe calada, a minha mãe - Dá-me licença que a acompanhe?
a desviar-se de nós, Sua Excelência para mim - Não