e esta febre, e esta dor, e esta maçada na barriga que me aperta, um doutor jovial
- Bom dia a todos
e chuva lá fora, luzes acesas, o carrinho cromado do almoço a tilintar metais, comida
parda, bebidas pardas, uma sobremesa parda, um guardanapo entalado no pescoço
para aquele cinzento todo entrar nas pessoas - Vamos lá vamos lá que ainda me falta uma porção de doentes
e a colher a insistir contra a boca fechada - O tempo que demora a mastigar santo Deus
a sopa mastigada, o puré mastigado, até o leite creme, que se engole sozinho,
mastigado, a mãe de Sua Excelência - Um preto?
e Sua Excelência com vergonha, até os chineses metem menos impressão, dos
ciganos não falo porque a única coisa que fazem é roubar, o médico acabou por dar alta
à minha mãe - O que faz aqui pode fazer em casa
já as pedras andavam à volta dela sem parar, de início pesadas e agora mais leves que
a água, sobem, descem, aproximam-se, afastam-se, não tem muitas dores agora pois
não, os medicamentos lá vão cumprindo o seu papel, também é para isso que servem,
cumprir o seu papel, se não servissem para nada não se usavam, a quantidade de gente
que há por todo o mundo a ocupar-se disto, um negócio e peras para os laboratórios
que estão podres de ricos, americanos, ingleses, alemães, o raio que os parta, isto só no
nosso país, o soldado português é tão bom como os melhores, somos uns tesos
incompetentes, comidinha barata, roupa barata e está a andar, até na guerra, para o
fim, já possuíamos armas piores que as dos turras apesar de eles pretos e nós brancos
e, a propósito de pretos, porque é que me meteu logo na cabeça arranjar um mesmo
que tenha maneiras como as nossas e não coma lagartixas e bichos crus, ratos por
exemplo, já ouvi dizer que ratos, a minha mãe em casa no sofá a arrastar-se de quarto
em quarto para fazer as - Dá-me licença que a acompanhe?
chatices domésticas, sobravam sempre pratos por lavar, não tinha força para abrir os
trincos das janelas e arejar os compartimentos, o médico para o meu pai - Isto vai piorando lentamente tem que ter paciência
e de repente, na minha cabeça, o quimbo de eu pequeno, que julgava perdido, um
círculo de palhotas no meio da mata, a mangueira grande, a mangueira pequena, os
morcegos que voavam entre uma e outra sibilando sinais, as lavrazinhas, os cabíris
deitados no terreiro, um dentro do outro, numa imobilidade tristíssima, nunca vi olhos
mais desiludidos do que aqueles, mais conformados, quando por fim conseguiam
libertar-se ficavam para ali a remoer angústias pensativas, o que os infelizes imaginarão,
meu Deus, até a mim, de vez em quando, me acontece meditar, ao domingo por
exemplo, que é sempre um dia muito mais comprido que os outros, em lugar de doze
números nos relógios devia haver, sei lá, trinta e seis, Sua Excelência e eu no sofá, sem
olharmos um para o outro, vazios, à espera de não sei quê que não viria ter conosco,
que nos abandonou para sempre, os mesmos prédios à esquerda, os mesmos prédios à
direita, os mesmos prédios em frente, os mesmos empregos, as mesmas caras, a mesma