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Deste apartamento até à aldeia uma hora e um quarto, uma hora e vinte de
automóvel se não houver maçadas pelo caminho, acidentes, obras, um camião avariado,
polícias de boné branco e colete amarelo a mandarem-nos estacionar na berma para os
documentos e o teste do álcool
- Assopre
inclinados sobre a minha janela espiando de relance, que o serviço também tem
compensações, nem tudo é triste neste mundo, as coxas de Sua Excelência que a saia
curta melhorava e eu com vontade de exibir-lhes a minha esposa de manhã no seu
roupão desbotado, às três pancadas, e ainda sem lentes de contacto, embatendo na
mesa, embatendo no fogão, amarrotando as sobrancelhas independentes uma da outra
ao abrir o gás para aquecer a cevada com um fósforo a tremelicar nos dedos não
mencionando os restos de pintura da véspera que o algodão esqueceu e cristalizavam
na cara, eu para os polícias - Regalem-se
e os polícias regalo nenhum, somente - Pode seguir amigo
num tom mais de piedade que de ordem, esperançosos que a primeira curva nos
engolisse de vez, que diferença de fato entre a realidade e o desejo, uma hora e um
quarto, uma hora e vinte mais coisa menos coisa, juntando-lhe o tempo que Sua
Excelência demorou ainda e eu à porta da sala, com quinze quilos de roupa para dois
dias, numa aldeia de cacaracá, a pesarem-me na mão esquerda o que me tornava os
ombros assimétricos e na direita as chaves com o ursinho de peluche da argola, quase
de tamanho natural, enquanto ela, a erguer a revista - Um minuto que estou aqui a acabar um artigo
ou seja o divórcio de uma atriz de novela ou o correio sentimental ou os produtos
naturais em cápsula que melhoram quarenta por cento a ereção ou o horóscopo da
semana dividido em três partes, saúde, trabalho e amor à medida que a mala, cada vez
mais pesada, me aproximava o dito ombro esquerdo dos joelhos, Sua Excelência
levantou-se por fim numa ascensão vagarosa de rolha que um instrumento inoxidável ia
puxando até ao - Plop
libertador depois de abandonar o divórcio na mesa baixa em frente, com tampo de
vidro e uma caixeta desejosa de ser de porcelana em cima, acompanhada por uma
fotografia dela em Salamanca com duas amiguetas, todas com uma flor salerosa no
cabelo, a rirem para mim ou para o homem
(aposto mil contra um que um homem)
a quem pediram que lhes tirasse o retrato numa língua de palhaços de circo cheia de
instruções, ademanes e caretas, as três só patetices e alças, Sua Excelência já em pé - Tens a certeza que fechaste bem o gás?
de olhos em mim não líquidos, inquisitoriais de modo que pelo sim pelo não verifiquei
o gás e já agora as janelas, desci os estores incluindo os da sala e deixei de ver, via um
cubo de trevas com a gente dentro, mesmo caminhando devagar, aos apalpões, magoei