eu que não tive namoradas em África nem usei nunca, nosso arfere, nosso arfere, as
pretas, como seria a minha mãe que faleceu de difteria quando eu tinha três anos,
lembro-me de uma voz
- Não dormes?
e de uma pessoa a cheirar a refogado estendida na minha cama comigo, lembro-me
de uma colher que se aproximava, enorme, de mim e me batia nos dentes num ruído
metálico - Abre a boca come
tenho ideia de um vestido a afastar-se, do mundo enorme à minha volta, cadeiras,
mesas, maçanetas altíssimas a que não chegava e é tudo, não me recordo de chorar - Mãe
e de repente a minha madrasta cuja colher não me batia nos dentes porque punha
açúcar em tudo embora também cheirasse a refogado mas menos, o meu pai esquisito,
para os guardas - Aconteceu alguma coisa ao meu filho?
sem que eles lhe respondessem, quietos, um baixo e gordo, o segundo ruivo e ambos
de bivaque na mão, não lhes distinguia as feições mas parecia-me que o ruivo um desses
fulanos de uma sobrancelha só, isto é cujos pelos não se interrompem no alto do nariz,
se eu fizesse parte de tal grupo aproveitava a gilete para não me assemelhar, mata,
mata, a uma coruja ou a um mocho, havia uma aparazita de lua na banda do pinhal e
escutavam-se os mil murmúrios da noite feitos de ervas, grilos e outras miudezas do
escuro não mencionando as folhas claro, a arrepiarem-se mesmo sem vento e o meu pai
num sopro - Mata mata
cada vez mais pálido - Aconteceu alguma coisa ao meu filho?
o guarda das duas sobrancelhas, baixo e gordo mas pelo menos normal, atirou o
bivaque para o assento do jipe e conseguiu que sorte - Aconteceu alguma coisa ao meu filho?
de modo que encorajado pelo sucesso do bivaque - Acho que era melhor falarmos lá dentro
além das ervas, dos grilos, das outras miudezas e das folhas, morcegos mas onde não
existem morcegos não é, às vezes encontramo-los mortos, de asas abertas e focinho de
coelho, cobertos de formigas, as de África não pretas como as nossas, muito maiores,
castanhas, se por acaso picam levamos o resto do dia a coçar-nos para além de ficarem
borbulhas, o meu pai para o guarda, agora recuando de mão a caminho da testa numa
espécie de tontura - Aconteceu alguma coisa ao meu filho?
e marchas militares e lenços que gritavam e chuva e pessoas em lágrimas até à
beirinha da água e dúzias de gaivotas empoleiradas em fila nos telhados altos, qual
dúzias, centenas, milhares, milhões, milhões de gaivotas nos telhados altos, mais
gaivotas que tropa, mais gaivotas que pessoas, repetindo com o general - Sinto nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria
as gaivotas em torno do navio que diminuía na direção da foz