helicóptero das evacuações com um soro que não lhe servia um pito no braço, a
despedir-se de vocês
- Adeus
e já agora como posso evitar que as pedras continuem a crescer, o médico a apontar
a esferográfica ao meu pai e a mim, tocando numa radiografia aos miolos - Já chegaram aqui
o meu pai a pensar que se chegaram aqui chegaram a toda a parte e se chegaram a
toda a parte o que se consegue fazer, o meu pai para o médico na esperança que ele o
desmentisse - Acha que com sorte seis meses não é?
o médico a evitar olhá-lo, com dó de ambos, ocupadíssimo a guardar os exames por
ordem numa pasta de cartão - Isto não é matemática talvez haja milagres talvez haja Deus
enquanto o helicóptero com o alferes paraquedista subia agitando o capim, se
inclinava para a esquerda, se afastava da gente abandonando um - Até logo
que a próxima chuva afogaria, a minha mãe a olhar a borboleta da lapela para não
olhar o meu pai e se sentir culpada de deixar de tomar conta dele, tão indefesos os
homens, tão frágeis, tão incapazes de sobreviver sem a gente - Vamos então?
e o que será a tua vida depois de mim coitadinho, a barba mal feita, sapatos por
engraxar, um botão a menos na camisa, tenho que deixar-lhe dúzias de caldos feitos,
um papel na bancada da cozinha a explicar como se acende o fogão, se liga o
esquentador, se regulam os trinta segundos no micro-ondas porque ele esquece
senhores, onde está o cestinho dos comprimidos, abre todas as semanas a caixa do
correio porque a fatura da luz, a fatura da água, a do gás já agora, a graxa ao pé dos
sapatos, as camisas número trinta e nove, lembra-te, na segunda gaveta, a vassoura e a
esfregona dentro do balde atrás da tábua de engomar no canto esquerdo da marquise,
os números de telefone do canalizador, dos miúdos e do dentista na cômoda da sala, o
termômetro na mesa de cabeceira juntamente com chaves que já não se sabe para que
servem de mistura com o folheto de instruções da máquina de lavar em oito idiomas,
não leias em dinamarquês, uma chave de parafusos quebrada, moeditas, o que será de
ti, arranja uma mulher depressa, talvez a Tita que é boa pessoa, os cobertores para o
inverno na arca logo à entrada porque não cabiam em mais parte nenhuma e sobretudo
esquece-te de Angola que se calhar nunca existiu conforme as pedras não existiram,
tínhamos que inventar fosse o que fosse para nos ocuparmos não era e vai daí tu
inventaste África e eu para que não ficasses com um passatempo a mais enchi-me de
imaginação e descobri um cancro, gostas da borboleta na lapela não gostas conforme
gostas que eu me ponha toda triques para ti, Sua Excelência no interior do sono - Filipe
conforme gostas que eu me ponha toda triques para o médico, Sua Excelência a
enrolar-se mais no lençol - Filipe