motivos atrás deduzidos e um carrilhão monstruoso de catedral, qual catedral, de
mosteiro infinito, abanou o prédio das fundações à claraboia e o pobre de mim com ele,
sujeito a um tornado de badaladas ferozes, eu com ganas de pedir socorro gritando um
- Amor
que dúzias de sinos afogaram de imediato impedindo a minha mulher de me ouvir, é
possível que tenha sentido qualquer coisa vaga, uma espécie de incômodo, de
desconforto, de suspiro mas estou certo que não pensou em mim, pensou numa guinada
interior entre o estômago e a nuca ou nas correntes de ar da alma quando as janelas
dentro de nós se abrem para o passado conforme um postigo meu se abriu para a prima
Iolanda mostrando-me como o mundo cabe inteiro numa única mulher, o Bichezas
servia-nos o jantar, atum com ciclistas, de casaco branco engomado - Senhores oficiais
o Bichezas que o helicóptero não chegou a levar com o retrato da namorada no bolso - Fininha
entre duas amigas, de braço dado com elas, as três a sorrirem meio envergonhadas
junto ao cedro de um jardim de província, com quem terão casado as outras e se calhar
esqueceram-te, se calhar não te esqueceram, ai Bichezas Bichezas, por estranho que
pareça, amigo, ainda guardo o teu riso tu que apesar do morteiro vertical não mataste
ninguém e olhavas os cadáveres num terror respeitoso a benzeres-te três vezes e a
beijar o polegar, o primeiro sargento a mostrar-me a tua pulseirita de prata chocha, com
a data com um significado que eu desconhecia gravada lá dentro - O que se faz a isto?
e mandamo-la à família que nunca agradeceu, talvez a Fininha lhe desse mais valor
mas não agradeceria também, para - Vejo nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria
para quê e depois que palavras, e depois não sou barra na prosa, o problema é que a
data da pulseira, que ainda hoje me intriga, ignoro o que pensar dela, se por acaso
perguntasse aqui na casa da aldeia na véspera da matança do porco - O que acham que pense dela?
duvido que me respondessem, foi há tantos anos não é e não há nada que não se
esqueça, senhor alferes, se a gente não esquecesse, você foi alferes em África não foi,
sabe disso melhor que eu, estou para aqui a dar lições, desculpe, como conseguia viver,
a segunda campainha um tinido distante como um pardal só com uma asa que desiste
no chão, a minha nora para mim, a aquecer água - Apetece-lhe mais café?
ou seja uma flor azul a cuspir pétalas zangadas e o colchão do meu quarto um suspiro
comprido, tu só pedras não é, quase só pedras agora, salvava-se a tua voz, salvavam-se
os teus dedos - Chega aqui
e eu chegava, aperta-me a mão com força, com mais força, não saias, atrás da porta
da colega do emprego silêncio, depois do silêncio sapatos que iam aumentando, uma
frincha apenas, o nariz dela na frincha, com o nariz um cochicho - Vá-se embora depressa que o meu marido chegou mais cedo do Porto
o cochicho transformado em voz