vai morrer, e sabe que vai morrer, aceita, não te vás embora ficando como a minha irmã
lá fora no quintal, distantíssima de nós, grita enquanto Sua Excelência esconde os olhos
nas costas da mão
- Que horror
e - Que horror
de fato, tens razão - Que horror
a ausência de perfume e de pintura - Que horror
o cabelo mal penteado - Que horror
a pobreza - Que horror
o cheiro a suor, a muita gente, a refogado, a pouco dinheiro, a mênstruo, a barrela - Que horror
a meu próprio cheiro a preto - Que horror
o cheiro da mulher sem mãos e do homem num banquito, mas que homem seria, que
morava com ela, que horror o meu cheiro a preto que só uma preta entende, só uma
preta aceita, só uma preta perdoa, só uma preta não dá por ele enquanto a minha faca
no seu corpo, enquanto a minha faca inteira no seu corpo, revolvendo-se, saindo,
entrando de novo prestes a explodir em mil fragmentozinhos metálicos, secretárias,
papéis, telefones, um calendário dois meses errado, de maio quando estamos no fim de
julho, vinte e nove de julho, acho que vinte e nove de julho e pensando bem estou certo,
vinte e nove de julho, vinte e nove de julho, vinte e nove de julho na parede acolá, vinte
e nove de julho nota bem, escreve num papel, guarda o papel, não te esqueças, lembra-
te que vinte e nove de julho, lembra-te para sempre que vinte e nove de julho, o meu
pai para Sua Excelência que se afastou da amiga, ambas no sofá a espiarem-no pensando - Se calhar viu-nos o velho
que se lhes percebia na cara e preocupadas que o alferes, que o meu pai as tivesse
visto - O que irá o velho pensar?
no instante em que o velho para ela - Vou com o meu filho à oficina resolver o problema do carro
na vila a cinco ou seis quilômetros daqui, cortando pelos campos talvez três ou dois,
mais que três não acredito miúdo, eu para o meu pai - Já não sou miúdo há que tempos senhor
e o meu pai a insistir, de repente com os olhos em Angola - Mais que três não acredito miúdo se te cansares pego-te às cavalitas prometo
porque um miúdo apesar de tudo menos difícil que um cantil meio cheio, uma
mauser - Que acerta a quatrocentos metros