A garota do lago

(Carla ScalaEjcveS) #1

jatinho tivesse atingido algo sólido. A turbulência continuou. Um novo mergulho
e as máscaras de oxigênio caíram do teto e balançaram de modo errático ao
longo da cabine de passageiros. Jack agarrou o apoio de braço, enquanto um frio
estranho preenchia a cabine.
Em seguida, outro mergulho. Ao contrário dos outros, foi uma queda contínua.
Uma que nunca terminou, até que, quatro minutos depois, o jatinho se espatifou
numa pradaria perto de Omaha, em Nebraska. Não houve sobreviventes.


TRINTA MINUTOS DEPOIS DE BECCA DEIXAR O CAFÉ MILLIE, com
os cabelos ainda quentes por causa do secador e usando agasalho esportivo
confortável e meias grossas de lã, ela se sentou na ilha da cozinha da palafita.
Sentia-se leve. Tinha enfim se livrado da carga pesada que suportara sobre os
ombros por tanto tempo ao contar para Livvy Houston sobre seu casamento com
Jack. Simplesmente falar para alguém, mesmo que fosse sua ex-babá de
cinquenta anos, com quem ela conversava duas vezes por ano, foi um alívio.
Becca considerou aquilo um treino para quando ela e Jack tivessem uma
discussão semelhante com seus pais, que aconteceria em breve.
Antes de se envolver de novo no estudo de direito constitucional, Becca tirou
as imagens do ultrassom da bolsa. Eram oito imagens, em branco e preto,
espaçadas uma sobre a outra, num longo pedaço de papel que o técnico imprimiu
em sua última consulta. Naquele momento, Becca fitava as imagens,
examinando o pequeno ser se desenvolvendo em seu ventre. O técnico explicou-
lhe o que ela estava vendo, e, naquele momento, Becca reconheceu as mãos e os
pés do feto. Sorriu quando pensou em si como mãe. Em seguida, gargalhou. Que
coisa maluca.
Becca dobrou a folha e a guardou num envelope. Em seguida, pegou um papel
em branco e o pôs na sua frente. Não soube de onde viera a inspiração, ou o que
a estimulara a escrever uma carta para a criança em gestação, mas, em certo
lugar de seu coração, Becca desejou se comunicar com o feto que se desenvolvia
em seu ventre. Escreveu durante dez minutos. No fim, assinou com suas iniciais,
dobrou a folha de papel três vezes e colocou a carta no envelope, junto com as
imagens do ultrassom. Escreveu Para Minha Filha na frente do envelope e o
colocou no canto da ilha da cozinha. Poderia tê-lo guardado num lugar secreto,
se tivesse tido a ideia; talvez dentro de seu diário. Mas Becca não sabia — na
certa inebriada pela franqueza de sua conversa com Livvy Houston — que
deixara seu diário sobre a cadeira do Café Millie.

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