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B4 Economia SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ADRIANA
FERNANDES
A
polêmica fala do presidente
do Banco do Brasil, Rubem
Novaes, conclamando para
que brasileiros “caiam na real”, re-
cheada de críticas à atuação dos go-
vernadores e prefeitos no enfrenta-
mento da covid-19, diz muito sobre
o delicado momento das relações fe-
derativas no País e o que está por
trás das ações (e inações) do presi-
dente Jair Bolsonaro e do ministro
da Economia, Paulo Guedes.
Sem meias-palavras, Novaes acu-
sou Estados e prefeitos de impedi-
ram a atividade econômica ofere-
cendo, em troca, “esmolas” com o
dinheiro alheio. “Esmolas atenuam
o problema, mas não o resolvem. E
pessoas querem viver de seu esfor-
ço próprio. Depois que se monta um
grande Estado assistencialista fica di-
fícil desmontá-lo”, disparou Novaes
em conversa com o Estado.
As declarações geraram uma reação
imediata do presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia, (DEM-RJ), com réplica se-
guida de tréplica. Novaes expôs em pra-
ça pública o que pensa o seu chefe dire-
to, o ministro Paulo Guedes.
A verdade é que Moraes verbalizou o
que pensa não só o presidente, mas o
comando do Ministério da Economia.
Por isso, não recebeu nenhum tipo de
reprimenda do chefe diante do desgas-
te com Congresso e governadores.
O que estão no cálculo político dos
envolvidos, e fragmenta as relações fe-
derativas, é o dinheiro de socorro. E, é
claro, o bônus de popularidade que ele
pode proporcionar com a população
pelas ações de enfrentamento do novo
coronavírus que se mostrarem efeti-
vas daqui a alguns meses.
O governo é o dono do cofre. Esta-
dos e municípios não podem ir ao mer-
cado financeiro emitir dívida (venden-
do títulos) para financiar os seus gas-
tos. O Conselho Monetário Nacional
(CMN) é que delimita o espaço para
governadores e prefeitos contratarem
crédito no sistema financeiro (com e
sem aval do Tesouro).
Aqueles com situação de grave dese-
quilíbrio fiscal nem mesmo podem,
pois não têm nota de risco para conse-
guir o aval do Tesouro. Sem aval, não
tem banco que vá emprestar.
Empréstimos são, portanto, a forma
para eles conseguirem “dinheiro no-
vo”, como se diz no jargão econômico.
Nesse cenário ainda mais adverso com
o agravamento da crise, Estados e mu-
nicípios dependem mais do que nunca
da União para aumentarem os gastos
em tempos de coronavírus e queda ver-
tiginosa da arrecadação de impostos.
O que fizeram governadores e prefei-
tos, então nesse cenário? Continua-
ram ampliando os gastos, seguindo
com o seu planejamento para manter o
isolamento e o auxílio à população.
Muitos deles, inclusive, com benefí-
cios semelhantes ao do programa Bol-
sa Família do governo federal e o auxí-
lio emergencial.
Inicialmente, Estados e municípios
ampliaram os gastos para o combate
do coronavírus com remanejamento e
transferências da União para a saúde.
Num segundo movimento, o alívio es-
tá sendo dado pelo Judiciário. Assim
como São Paulo (o mais rico do País)
conseguiu no Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) suspender o pagamento de
R$ 1,2 bilhão de dívida com a União,
outros governadores e prefeitos estão
conseguindo o mesmo que o governa-
dor João Dória (PSDB). O efeito é em
cascata.
A suspensão do pagamento da dívi-
da abre espaço para os gastos e mais
comparações com o governo federal
que começou lento na reação à crise e
só nesta semana começou a abrir o co-
fre para as medidas de maior impacto,
como o auxílio emergencial de R$ 600.
Agora, querem e precisam de mais.
Foi a insistência deliberada de Bolso-
naro de condenar a o isolamento hori-
zontal, que isolou o governo federal e o
colocou em lado oposto ao de governa-
dores e prefeitos.
Bolsonaro e auxiliares sabem que es-
sa conta vai chegar ao Tesouro Nacio-
nal. Ou seja, no caixa do governo fede-
ral. Por isso, reclamam que os adversá-
rios fazem benesses com dinheiro
alheio. Está aí a raiz do impasse.
A pressão no Congresso é fortíssi-
ma para aumentar o espaço para no-
vos empréstimos. A votação do chama-
do Plano Mansueto de socorro aos go-
vernos regionais pode abrir mais espa-
ço para o gasto.
A votação na Câmara do plano,
prevista para esta semana, não
aconteceu. Os governadores dos
Estados do Sul e Sudeste, os mais
afetados pelo alastramento do no-
vo coronavírus no País, decidiram
não esperar mais e pediram ao Con-
gresso a aprovação de uma plano
de 13 medidas de alívio para as con-
tas. A falta de uma coordenação na-
cional pode custar caro. É torcer
para não haver uma ruptura do Pac-
to Federativo com o rombo maior.
]
É JORNALISTA
Idiana Tomazelli
Julia Lindner / BRASÍLIA
O governo pretende começar a
pagar na próxima semana o auxí-
lio emergencial de R$ 600 a traba-
lhadores informais, disse ontem
o ministro da Cidadania, Onyx
Lorenzoni.
Na próxima terça-feira, será
lançado pela Caixa um aplicati-
vo acessível pelo celular e pelo
computador para a realização
da chamada “autodeclaração”.
O trabalhador informará o go-
verno que precisa do auxílio
emergencial, e o governo vai
checar se ele preenche todas as
regras.
Os elegíveis que já forem regis-
trados no Cadastro Único de
programas sociais serão rastrea-
dos pelo governo e, segundo o
ministro, serão alvo de um “es-
forço” para receberem antes da
Páscoa, no dia 12. Os beneficiá-
rios do Bolsa Família, por sua
vez, receberão os créditos no ca-
lendário normal do programa,
que começa em 16 de abril. O ca-
lendário oficial será divulgado
pela Caixa na segunda-feira.
“Vai ser supersimplificado,
não vai trazer nenhuma taxa
nem nenhum ônus. Vai permitir
que pela web ou celular as pes-
soas possam fazer cadastramen-
to para permitir que, até 48 ho-
ras depois do cadastramento da-
queles que cumprirem todos os
requisitos, o recurso esteja credi-
tado na Caixa, no Banco do Bra-
sil ou na rede bancária, ou have-
rá uma autorização de saque”,
afirmou Onyx.
O benefício é uma das medi-
das de alívio à crise econômica
provocada pela pandemia do co-
ronavírus. Além do aplicativo, o
cadastro poderá ser feito por te-
lefone, em número que será di-
vulgado posteriormente, e atra-
vés de um site, que também está
em desenvolvimento. Também
será possível fazer o registro em
agências, mas o governo não in-
formou em quais.
Segundo Onyx, das 14,29 mi-
lhões de famílias que receberão
o Bolsa Família em abril, cerca
de 2 milhões têm um benefício
maior que os R$ 600 do auxílio
emergencial – por isso, é preciso
um cuidado para que elas não te-
nham a substituição automática
e acabem recebendo menos.
Outras 12 milhões receberão
os valores do auxílio emergen-
cial, que vai variar de acordo
com o perfil da família. A lei pre-
vê que até duas pessoas podem
receber o auxílio, que é de R$
600 ou R$ 1,2 mil no caso de mu-
lheres chefes de família.
O ministro da Economia, Pau-
lo Guedes, fez um apelo para
que a própria população ajude
conhecidos a se cadastrarem no
aplicativo do governo. “Cada
um de nós conhece (uma pessoa
vulnerável) e pode orientar, aju-
dar. Temos de fazer essa infor-
mação circular, ajudar os brasi-
leiros a se cadastrarem”, disse
Guedes. “Nós podemos salvar
os brasileiros invisíveis”, acres-
centou Guedes.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Camila Turtelli
Marlla Sabino / BRASÍLIA
Depois de cinco horas e meia -
de discussão, o plenário da -
Câmara dos Deputados apro-
vou na noite de ontem a Pro-
posta de Emenda à Constitui-
ção (PEC) apelidada de “orça-
mento de guerra”. A PEC cria
uma espécie de orçamento pa-
ralelo para segregar as despe-
sas emergenciais que serão
feitas para o enfrentamento
da covid-19 no Brasil, como
antecipado pelo ‘Estado’ no
dia 23 de março. Vai vigorar
durante o estado de calamida-
de pública já reconhecido pe-
lo Congresso Nacional até o
dia 31 de dezembro.
Foram 505 votos a favor e 2
contra no primeiro turno e 423
votos contra 1 no segundo tur-
no. Para ser aprovada, uma PEC
precisa de apoio de mais de três
quintos da Câmara dos Deputa-
dos (308 de 513). O texto segue
agora para o Senado, onde preci-
sa do aval de, no mínimo, 49 de
81 senadores, em duas vota-
ções. A PEC não vai à sanção do
presidente, e é promulgada pe-
lo próprio Congresso.
A proposta foi também pivô
de um conflito entre o presiden-
te da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), e o ministro da Eco-
nomia, Paulo Guedes, que ale-
gou na terça-feira que as medi-
das emergenciais não foram edi-
tadas porque a PEC não tinha
sido aprovada. Na réplica, Maia
disse que o governo já tinha ga-
rantias jurídicas para liberar o
auxílio emergencial.
Havia um único ponto sem
consenso entre Congresso e go-
verno que era a possibilidade de
o Legislativo sustar as decisões
do comitê que será criado para
fazer a gestão dos recursos na
crise. Um ajuste de redação re-
solveu a questão. A versão ante-
rior dizia que é dado poder ao
Congresso para sustar qual-
quer decisão “em caso de ofen-
sa ao interesse público ou de ex-
trapolação dos limites da sua
ação”. A atual versão diz que a
prerrogativa é para “caso de irre-
gularidade ou de extrapolação
aos limites do artigo”.
“Essa PEC ajuda a tirar todas
as amarras do governo federal.
Permite inclusive que ele passe
por cima da regra de ouro”, afir-
mou o deputado Hildo Rocha
(MDB-MA). A regra de ouro im-
pede o governo de se financiar
para pagar gastos correntes, co-
mo salários e benefícios assis-
tenciais.
Gestão. A proposta cria um Co-
mitê de Gestão da Crise, respon-
sável por aprovar as ações do
regime emergencial, criar, ele-
ger, destituir e fiscalizar. O pre-
sidente Jair Bolsonaro vai presi-
dir o comitê, que será formado
pelos ministros da Secretaria-
Geral da Presidência da Repú-
blica, da Saúde, da Economia,
da Cidadania, dos Transportes,
da Agricultura e Abastecimen-
to, da Justiça e Segurança Públi-
ca, da Controladoria-Geral da
União e Casa Civil.
A proposta original protoco-
lada na Câmara previa a partici-
pação de quatro senadores e de
quatro deputados, mas sem di-
reito a voto, mas isso foi retira-
do do texto.
Para o deputado federal Ba-
leia Rossi (MDB-SP), o texto
permite que o governo dê res-
postas em relação às medidas
de combate ao novo coronaví-
rus para os brasileiros. “A popu-
lação está cumprindo seu pa-
pel, seguindo orientações da
OMS ( Organização Mundial de
Saúde ), evitando contato pes-
soal, mas esperam respostas. A
aprovação dessa PEC garante
que o governo federal não te-
nha travas, dificuldades, para
disponibilizar recursos para en-
frentamento dessa crise.”
A proposta prevê ainda que o
Banco Central poderá comprar
e vender direitos creditórios e
títulos privados de crédito em
mercados secundários. O rela-
tor da PEC, deputado Hugo
Motta (Republicanos-PB) in-
cluiu um artigo prevendo que o
presidente do Banco Central te-
rá de prestar contas ao Congres-
so Nacional, a cada 45 dias, so-
bre essas operações.
As operações precisarão de
autorização do Ministério da
Economia e o aporte de capital
de pelo menos 25% do Tesouro
Nacional. Hoje, o Banco Cen-
tral é proibido de fazer essa
prática, comum em outros paí-
ses como nos Estados Unidos.
O líder da oposição da Câma-
ra, deputado André Figueiredo
(PDT), afirmou que vai insistir
na aprovação de medidas para
garantir mais transparência nas
ações da autarquia. “Queremos
sim que os atos do Banco Cen-
tral, obviamente respeitando o
sigilo bancário a qual os dirigen-
tes são submetidos, possam ser
transparentes e que em uma le-
gislação infraconstitucional
possamos garantir isso”, disse.
l Conta digital
Os brasileiros que ainda não têm
conta bancária e tiverem direito
ao auxílio emergencial terão aber-
ta uma poupança digital gratuita,
informou o presidente da Caixa,
Pedro Guimarães.
Ruptura federativa
PEC cria uma espécie de orçamento paralelo para segregar despesas emergenciais que serão feitas para o enfrentamento da covid-1 9
l Respostas
Pagamento de auxílio terá início
antes da Páscoa, afirma ministro
Como um vírus transforma o mundo. Pág. B6}
E-MAIL: [email protected]
ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS
Câmara aprova ‘orçamento de guerra’
CLEIA VIANA/CÂMARA DOS DEPUTADOS
“A população está seguindo
orientações da OMS (...). A
aprovação dessa PEC
garante que o governo
federal não tenha travas,
dificuldades, para
disponibilizar recursos para
enfrentamento dessa crise.”
Baleia Rossi (MDB-SP)
DEPUTADO FEDERAL
“Essa PEC ajuda a tirar
todas as amarras do
governo federal. Permite
inclusive que ele passe por
cima da regra de ouro.”
Hildo Rocha (MDB-MA)
DEPUTADO
Gestão sob controle. Proposta cria Comitê de Gestão da Crise, responsável por aprovar as ações do regime emergencial, criar, eleger, destituir e fiscalizar
Segundo Onyx Lorenzoni,
trabalhador informal
com direito aos R$ 600
terá aplicativo para fazer
o cadastramento