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A6 Política SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Adriana Ferraz
Com o avanço do número de
casos confirmados do novo co-
ronavírus no Brasil e a reco-
mendação de que o isolamen-
to social, na ausência de vaci-
nas e tratamentos comprova-
dos, é a principal medida para
prevenir o contágio, o debate
sobre a viabilidade das elei-
ções municipais de outubro ga-
nha cada vez mais espaço.
Mexer no calendário eleito-
ral, no entanto, não é de fácil
implementação, seja do ponto
de vista legal ou do político. Pa-
ra o cientista político Jairo Ni-
colau, pesquisador da Centro
de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea
do Brasil, da FGV, a melhor so-
lução seria tentar realizar o
pleito até dezembro ou nas pri-
meiras semanas de 2021. “Não
vejo sentido em estender man-
datos”, disse ele.
Nicolau ainda considera um
risco esvaziar por completo o
fundo eleitoral. “Não deixar ne-
nhum dinheiro para financiar
campanhas é abrir as portas pa-
ra o caixa 2 e para o sucesso
dos candidatos ricos que po-
dem se autofinanciar.”
lDiante da pandemia, é possível
dizer que as eleições já estão
comprometidas?
Precisamos de mais uns dias
para avaliar melhor. Minha su-
gestão é que o Congresso Na-
cional e o TSE ( Tribunal Supe-
rior Eleitoral ) organizem uma
comissão para avaliar a proba-
bilidade de a eleição acontecer
em 4 de outubro e pensar em
alternativas. É preciso lembrar
que o processo eleitoral demo-
ra meses, e algumas mudanças
exigem emendas à Constitui-
ção. Para dar um exemplo: as
convenções partidárias para es-
colha de candidatos devem
acontecer até 4 de agosto. Será
que é plausível reunir dezenas
de pessoas para a escolha dos
candidatos já no mês de julho
e começo de agosto?
lQual a melhor solução em ca-
so de adiamento da eleição? Es-
tender mandatos?
A melhor solução seria tentar
adiar para acontecer ainda es-
se ano, talvez em dezembro,
ou, no máximo, nas primeiras
semanas de 2021. Não vejo sen-
tido em estender mandatos.
lO que acha da proposta de
adiar o pleito para 2022?
A ideia de adiar o pleito para
2022 é absurda. Os atuais pre-
feitos foram eleitos para ficar
quatro anos, com possibilida-
de de reeleição. Particularmen-
te, acho as eleições locais sepa-
radas das estaduais e nacio-
nais excelente. Em 1982, tive-
mos a única experiência da his-
tória em que votamos para pre-
feito e governador – presiden-
te ainda não era permitido – e
não funcionou. A agenda dos
temas municipais foi completa-
mente apagada pela discussão
dos temas estaduais. Uma elei-
ção geral exigiria até nove esco-
lhas do eleitor, e a discussão
sobre os problemas munici-
pais provavelmente vai ficar
em segundo plano.
lQuem ganha e quem perde
com o eventual adiamento das
eleições municipais? O presiden-
te Jair Bolsonaro, que não conse-
guiu montar um partido a tempo
de participar da eleição em outu-
bro, seria um dos favorecidos?
O adiamento não significa
uma mudança de outras partes
da legislação. A lei diz que, pa-
ra concorrer, um candidato de-
ve estar filiado em um partido
até 4 de abril desse ano. A meu
juízo, não vejo justificativa pa-
ra mudar essa regra. Portanto,
o Aliança ( pelo Brasil, partido
que o presidente pretende criar )
não está apto a concorrer. Não
consigo ver nenhum partido
ou político que ganhe ou perca
com o adiamento do pleito.
lO fundo eleitoral pode ter sua
finalidade modificada? Pode ser
usado na Saúde, por exemplo?
Nesta crise, todos os recursos
públicos estão sendo alvo de
escrutínio. O fundo eleitoral,
cujo recurso será gasto somen-
te no segundo semestre, pode-
ria tranquilamente ser reduzi-
do. Por conta da crise, prova-
velmente tenhamos menos
candidatos concorrendo. Mas
não deixar nenhum dinheiro
para financiar campanhas é
abrir portas para caixa 2 e para
o sucesso dos candidatos ricos
que podem se autofinanciar.
lO mesmo poderia ocorrer com
o Fundo Partidário?
Legendas utilizam recursos do
Fundo Partidário para viagens,
reuniões e seminários. Muitas
dessas atividades estão suspen-
sas. Como o recurso é distribuí-
do ao longo do ano, creio que
haja espaço para que parte do
dinheiro tenha outro destino.
Mas não saberia dizer como via-
bilizar isso em termos legais.
Vinícius Valfré
Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA
A um mês de assumir o Tribu-
nal Superior Eleitoral (TSE),
o ministro Luís Roberto Bar-
roso, do Supremo Tribunal
Federal (STF), admitiu on-
tem a possibilidade de adiar
as eleições municipais para
dezembro, dependendo do
avanço do coronavírus no
País. Barroso afirmou ser con-
trário à prorrogação de man-
datos até 2022, mas destacou
que a palavra final deve ser da-
da pelo Congresso.
“Na hipótese de adiamento,
ele deve ser pelo período neces-
sário para que as eleições pos-
sam se realizar com segurança,
talvez dezembro”, disse o ma-
gistrado, em nota.
Barroso assumirá o comando
do TSE em maio, substituindo a
colega Rosa Weber, e deixará a
função em fevereiro de 2022.
“Como já afirmei anteriormen-
te, a saúde da população é o
bem maior a ser preservado”,
disse o ministro. “O debate ain-
da é precoce porque não há cer-
teza de como a contaminação
vai evoluir”.
A posição de Barroso foi ante-
cipada pelo Estado no mês pas-
sado. A pressão para que a esco-
lha de novos prefeitos e verea-
dores seja adiada ganhou força
após o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, sugerir al-
teração no calendário eleitoral.
Segundo ele, disputas políticas
não podem prejudicar o comba-
te à pandemia.
O tema divide opiniões e não
há clareza sobre como ficariam
os comandos de prefeituras,
por exemplo. A proposta de
Mandetta era a de esticar os
mandatos dos atuais prefeitos e
vereadores. Há quem defenda a
unificação de todas as eleições
em 2022. Barroso é contra.
A disseminação do coronaví-
rus também já fez Rosa Weber
suspender as eleições progra-
madas em Mato Grosso para es-
te mês, quando seria definido o
nome do parlamentar que fica-
rá com a vaga da senadora Juíza
Selma (Podemos-MT). Conhe-
cida como “Moro de saias”, ela
teve o mandato cassado em de-
zembro pelo TSE pela prática
de caixa 2 e abuso do poder eco-
nômico na eleição de 2018.
“O superveniente agravamen-
to da capacidade de o novo coro-
navírus infectar grande parte
da população de forma simultâ-
nea, mesmo em locais que não
tenham sido identificados co-
mo de transmissão interna, e a
recente classificação da patolo-
gia como pandemia pela Organi-
zação Mundial de Saúde
(OMS), recomendam, além da
adoção de medidas higiênicas,
providências tendentes a res-
tringir a aglomeração de pes-
soas, como ocorre durante a rea-
lização de eleições”, escreveu a
presidente do TSE, na decisão
assinada em março.
Ricardo Brandt
Fausto Macedo
A Polícia Federal (PF) reduziu
o número de operações de com-
bate à corrupção e ao crime or-
ganizado por todo Brasil, devi-
do aos riscos de transmissão do
novo coronavírus. Delegados
estão orientados a suspender
temporariamente ações que en-
volvam agrupamento e movi-
mentação de equipes policiais,
desde que não resulte em prejuí-
zo para as investigações.
Desde que foi adotada a medi-
da, há 15 dias, foram deflagradas
oito operações ostensivas –
quando são realizadas prisões e
buscas e apreensões. Em igual
período, no início do mês, fo-
ram 32 ações pelo País. A queda
do número de operações decor-
re de orientação do comando
da PF e abrange investigações
de corrupção, tráfico, crimes fi-
nanceiros, cibernéticos e am-
bientais. Inquéritos e investiga-
ções, com análises, perícias e
elaborações de relatórios, se-
guem nova rotina de trabalho.
Na semana passada, foi defla-
grada uma nova fase da Opera-
ção Faroeste, que tem como al-
vo suposto esquema de venda
de decisões judiciais por desem-
bargadores e juízes do Tribunal
de Justiça da Bahia. Foram fei-
tas buscas e um desembargador
foi preso. Uma semana antes, a
PF concluiu relatório final de in-
vestigação da Lava Jato e indi-
ciou o deputado federal Aécio
Neves (PSDB-MG) por corrup-
ção passiva e lavagem de dinhei-
ro. Neste caso, ele é acusado de
receber R$ 64 milhões em propi-
nas, entre 2008 e 2011 – período
em que foi governador de Mi-
nas e senador. Ele nega.
Instrução. As operações come-
çaram a cair após a instrução
normativa do diretor-geral da
PF, Maurício Valeixo, de 16 de
março, com medidas para o en-
frentamento à pandemia do no-
vo coronavírus. Pelo menos se-
te normativas internas foram
publicadas desde então. A prin-
cipal delas, da Diretoria de In-
vestigação e Combate ao Crime
Organizado (Dicor) da PF, no
dia 18. No documento, o delega-
do Igor Romário de Paula, dire-
tor do Dicor, orienta delegados
regionais a analisarem caso a ca-
so, a possibilidade de adiamen-
to ou suspensão temporária de
operações que demandam mo-
vimentação de agentes, desloca-
mento de equipes por via aérea
e agrupamento de policiais.
A orientação da Dicor foi de
que o adiamento seja de pelo
menos 15 dias, conforme a mé-
dia de interrupção das ativida-
des dos tribunais de todo o País.
E que só ocorresse em casos em
que o adiamento não resulte em
prejuízo para as investigações.
O ofício indica ainda que, caso
as operações sejam mantidas,
as equipes adotem cuidados
básicos para proteção.
Anteontem, por exemplo, foi
deflagrada a Operação Nome
Sujo, em Varginha (MG), con-
tra esquema de falsificação de
cigarros. Além de máscaras, po-
liciais utilizaram luvas e álcool
em gel no contato com material
recolhido – dossiês contábeis,
documentos e um computador.
Delegados também estão au-
torizados a suspender depoi-
mentos presenciais marcados,
desde que com prévia comuni-
cação ao interrogado. São man-
tidas apenas as oitivas “urgen-
tes e prioritárias”, segundo a
norma. Foi autorizado o depoi-
mento por videoconferência.
O presidente da Federação
Nacional dos Policiais Federais
(Fenapef), Luís Antônio Bou-
dens, afirma que os cerca de 11
mil policiais da ativa, estão foca-
dos no auxílio ao combate à pan-
demia e que já há casos confir-
mados de federais infectados.
Um dos primeiros, um agen-
te que trabalha no aeroporto do
Recife (PE). Ele, e toda a equipe
com que teve contato, estão
afastados, em quarentena. Em
São Paulo, o superintendente
da PF, delegado Lindinalvo Ale-
xandrino de Almeida Filho, foi
internado com pneumonia
com suspeita de covid-19.
l Efeito
ENTREVISTA
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
l ‘Precoce’
“Como já afirmei, a saúde
da população é o bem maior
a ser preservado. Mas nós
estamos em abril. As
convenções partidárias para
escolha dos candidatos são
em agosto. A campanha
começa na segunda metade
de agosto. As eleições são
em outubro. O debate ainda
é precoce.”
Luís Roberto Barroso
MINISTRO DO SUPREMO E PRÓXIMO
PRESIDENTE DO TSE
lEm acordo homologado an-
teontem com a Justiça, o grupo
J&F aceitou pagar R$ 26,7 mi-
lhões de seu acordo de leniência
à Fundação Oswaldo Cruz (Fio-
cruz) para ações contra o corona-
vírus. O dinheiro será usado na
compra de testes sorológicos,
segundo decisão do juiz da 10.ª
Vara Federal de Brasília, Vallis-
ney de Oliveira. Ao todo, o acordo
de leniência da J&F prevê que a
empresa pague R$ 11,4 bilhões
como forma de restituição por
práticas ilícitas. A maior parte da
verba seria destinada a cobrir
prejuízos causados nos fundos
de pensão. / LUIZ VASSALLO
PF orienta delegados a suspender
operações durante pandemia
Malotes. Policiais do Recife, durante operação em fevereiro
Cientista político diz que
crise na saúde pública
pode alterar calendário
eleitoral, mas não se
deve estender mandatos
WILTON JUNIOR / ESTADÃO - 18/10/
Barroso admite adiar eleição municipal
Ministro do Supremo, que assume comando do TSE em maio, afirma que, por medida de segurança, disputa poderia ficar para dezembro
Fiocruz vai receber
R$ 26,7 milhões
de acordo da J&F
MARLON COSTA/FUTURA PRESS - 19/2/
Medida deve ser adotada
quando não há prejuízo
para investigações, que
vão de corrupção a
crime organizado
“A melhor solução seria
tentar adiar (a eleição) para
acontecer ainda esse ano,
talvez em dezembro, ou, no
máximo, nas primeiras
semanas de 2021.”
“Acho que o adiamento da
posse dos novos prefeitos
para fevereiro ou março (no
máximo) não traria grandes
mudanças para as políticas
públicas municipais.”
Debate. Jairo Nicolau acredita que discussões de problemas municipais seriam prejudicadas caso houvesse eleição única
‘Ideia de levar pleito
para 2022 é absurda.
Não vejo sentido’
Jairo Nicolau, cientista político