O Estado de São Paulo (2020-04-04)

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 A


Internacional

Líderes europeus trocam acusações e


dizem que vírus pode acabar com UE


Integração europeia, que já vem abalada pela crise financeira de 2008, pelo fluxo migratório descontrolado que se arrasta desde 2015, e


pelo Brexit, agora enfrenta desafio da pandemia, que tem fortalecido políticas nacionalistas e muitas vezes autoritárias, como na Hungria


NACHO DOCE/REUTERS–2/4/

Sem descanso. Trabalhador ajusta caixões à espera das vítimas da covid-19 em Barcelona

BERLIM


A pandemia agravou os pro-
blemas da União Europeia
(UE) e alguns líderes já te-
mem que o coronavírus pos-
sa acabar com o bloco. A coe-
são da UE já havia sido abala-
da pela crise financeira de
2008, pelo fluxo migratório
descontrolado, que se arrasta
desde 2015, e pelo Brexit. Ago-
ra, a integração bate de frente
com o vírus, que criou atritos
entre países e fortaleceu auto-
cracias, como na Hungria.

Se os líderes não consegui-
rem traçar um caminho em co-
mum, o projeto europeu pode
estar em risco, como descreveu
um de seus arquitetos nesta se-
mana. Nos primeiros dias da
pandemia, a resposta de alguns
países mostrou que os interes-
ses nacionais ainda superam os
ideais europeus.
Primeiro, o fechamento de
fronteiras foi realizado de ma-
neira descoordenada. Depois,
Alemanha e França proibiram a
exportação de equipamentos
médicos, como máscaras e respi-
radores, mesmo quando a Itália
mais precisava de ajuda. No vá-
cuo, surgiram Rússia e China pa-
ra capitalizar a situação. Mos-
cou e Pequim rapidamente ofe-


receram assistência médica,
construindo uma narrativa he-
roica e dando argumentos aos
eurocéticos.
Em meio à crise, o primeiro-
ministro húngaro, Viktor Or-
bán, usou poderes emergen-
ciais para praticamente suspen-
der a democracia, criticando os
princípios básicos de um esta-
do de direito. Juntas, todas es-
sas tensões começaram a sobre-
carregar a UE.
“Isso pode ser a gota d’água”,
disse Nathalie Tocci, diretora
do Instituto de Assuntos Inter-
nacionais da Itália. “A crise do
coronavírus é um desafio impor-
tante, não porque trouxe as coi-
sas do nada. Ela toca em todas
as esferas e acentua dinâmicas
que já estão lá.”
Norbert Rottgen, político ale-
mão e candidato a substituir a
chanceler Angela Merkel, com-
parou as lutas internas do bloco
a “uma guerra de trincheira
exaustiva”, juntando-se ao coro
das vozes que alertam que a UE
corre grave perigo.
O ponto mais alto da divergên-
cia aconteceu durante uma vi-
deoconferência em que nove
países, incluindo Itália e Espa-
nha, pediram apoio financeiro.
O ministro holandês das Finan-
ças, Wopke Hoekstra, respon-
deu com um pedido para Bruxe-
las investigar porque alguns go-
vernos não dispunham de recur-
sos financeiros para combater
sozinhos a pandemia.
O comentário desencadeou
uma tempestade, uma vez que,
para os críticos, soou como se
os holandeses estivessem trans-
formando uma crise de saúde,
cujas origens não têm relação
com ações de nenhum governo,
em uma lição de moral fiscal. “O
comentário foi repugnante”,
afirmou o primeiro-ministro
português, António Costa. “Ou
a UE faz o que precisa ser feito
ou será o seu fim.”

O debate reabriu as feridas
que mal haviam se curado após
a crise financeira de 2008, quan-
do a Alemanha levou os euro-
peus a impor dolorosas medi-
das de austeridade à Grécia e à
Itália em troca de socorro finan-
ceiro. Agora, com as necessida-
des ainda maiores, muitos ques-
tionam o sentido do bloco, se os
membros mais ricos não estão
dispostos a apoiar os vizinhos
em dificuldade. “Daqui a 10 ou
20 anos, todos nos lembrare-
mos do que aconteceu neste
momento, como todos os ale-
mães lembram onde estávamos
quando caiu o Muro de Berlim”,
disse Holger Schmieding, eco-
nomista do Berenberg Bank. “A
impressão política que criamos
agora será decisiva.”

Comissão. A Comissão Euro-
peia tentou mostrar atos de soli-
dariedade, com a Alemanha e
Luxemburgo recebendo pacien-
tes de França e da Itália. O go-
verno francês doou 1 milhão de
máscaras para os italianos e os
alemães enviaram 7 toneladas
de equipamentos médicos. Mas
a relutância dos países do norte
da Europa em compartilhar su-
primentos e aprovar um resga-
te financeiro contrastaram
com as imagens das caixas de
ajuda da China e dos soldados
russos chegando à Itália.
“A Europa terá de se unir e
superar seus tropeços iniciais
se quiser vencer essa batalha de
narrativas”, disse Noah Barkin,
pesquisador do Fundo
Marshall Alemão. “O bloco não
pode se dar o luxo de entrar em
brigas em um momento como
esse. Embora isso tenha aconte-
cido durante a crise financeira,
agora é ainda mais crucial, con-
siderando que os EUA estão
mais hostis e a China demons-
trou que vai tirar o máximo des-
sa crise para promover os pró-
prios interesses.” / W. POST

ZURIQUE

A


Suíça tem um dos pa-
drões de vida mais al-
tos do mundo e um
dos melhores sistemas de

saúde da Europa. Uma vasta re-
de hospitalar e taxas elevadas
de médicos e enfermeiros por
habitante. Mesmo assim, o país
tem quase 20 mil infectados pe-
lo novo coronavírus, um núme-

ro desproporcional, se compa-
rado à população. São 2.265 con-
taminados em cada 1 milhão de
habitantes, um índice quase
equivalente ao da Espanha que
tem 2.518 casos confirmados
em cada 1 milhão de habitantes


  • apesar de o número de mortes
    continuar baixo, 591 até ontem.
    Mas por que a Suíça tem tan-
    tos infectados? Alguns fatores
    explicam o quadro. O primeiro
    é simplesmente a proximidade
    com uma das áreas mais afeta-
    das do mundo, o norte da Itália.
    Em 25 de março, somente o can-
    tão de Ticino, que faz fronteira
    com Piemonte e Lombardia, re-
    gistrou 53 mortos, mais de um
    terço do total de mortes em to-
    do o país naquele dia. O cantão
    tem apenas 4% da população
    suíça.
    A proximidade não é o único
    fator. A Suíça é mais dependen-
    te do que a maioria dos países
    europeus de trabalhadores tem-
    porários. Por isso, apesar de al-
    guns postos fechados, as fron-
    teiras continuaram abertas em
    algumas áreas para a passagem
    dessa mão de obra.
    Outro fator, como vem sendo
    relatado na mídia alemã, é o fa-
    to de a Suíça ter um regime de
    testes mais amplo do que ou-
    tros países afetados, embora
    nem todos os casos suspeitos
    sejam testados. No início da
    pandemia, o governo suíço não
    deu prioridade aos testes, acre-
    ditando que era tarde demais e


poderia sobrecarregar os hos-
pitais. Mas, gradualmente, o
país passou de 2,5 mil testes
por dia para 6 mil e alguns
cantões começaram a abrir
os primeiros centros de tes-
tes drive-thru para coronaví-
rus. Hoje, apenas Emirados
Árabes, Noruega e Coreia do
Sul testaram mais pessoas
per capita do que a Suíça.
Por fim, há ainda outro fa-
tor constantemente citado
por ativistas que criticam as
autoridades suíças por não te-
rem respondido de maneira
rápida à ameaça que surgia
com a temporada de esqui.
No pequeno cantão de
Graubünden, um dos locais
de esportes de inverno mais
populares do país, houve
uma taxa de infecção e morta-
lidade acima da média nacio-
nal. Antes de serem encerra-
das as atividades de esqui,
10% das mortes pela covid-
19 foram registradas em
Graubünden, cantão que
tem apenas 2% da população
suíça.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l No limite
“A Europa terá de se
unir e superar seus
tropeços iniciais se
quiser vencer essa
batalha de narrativas”
Noah Barkin

PESQUISADOR DO FUNDO
MARSHALL ALEMÃO


“Ou a União Europeia
faz o que precisa ser feito
ou será o seu fim”
António Costa

PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL,


l Contágio

SUÍÇOS ESTÃO ENTRE


OS MAIS INFECTADOS


Contágio dá sinais de


desaceleração na Itália


DENIS BALIBOUSE/EFE

20 mil
estão infectadas na Suíça,
uma das taxas mais altas
do mundo de pessoas com
a covid-19 para cada
milhão de habitantes

Controle. Suíça faz 6 mil testes diariamente de covid-

Pandemia nos Alpes

Alto nível de vida é insuficiente para barrar vírus


ROMA

O número de novas infecções
pelo novo coronavírus se estabi-
lizou e começou a cair na Itália,
um dos países mais afetados pe-
la pandemia da covid-19. A ten-
dência de queda nos números
está diretamente ligada à ado-
ção de medidas rígidas de isola-
mento impostas em março, se-
gundo autoridades do governo
italiano.
No entanto, o achatamento
da curva de novas infecções e de
mortes não significa que tenha
parado de haver novos casos,
apenas que a propagação está se
desacelerando. A mesma ten-
dência vem sendo notada na Es-
panha e na Alemanha, segundo
especialistas. A redução mais
perceptível, porém, é mesmo
na Itália, que impôs quarentena
antes, em 9 de março, e deve se-
guir até o dia 13.
O número de novos casos
confirmados na Itália, entre
quinta-feira e ontem, foi de
4.585, em comparação com
4.668 do dia anterior. Esse foi o
quinto dia consecutivo em que
o número de novas infecções
permaneceu na casa dos 4 mil,
confirmando os prognósticos
do governo de que a propaga-
ção do vírus desacelerou, após

ter batido em 6,5 mil casos no
dia 21 de março.
Embora alguns estudiosos di-
gam que a redução nos índices
de testagem interfira no núme-
ro de novos casos, dados do Mi-
nistério da Saúde italiano mos-
tram que houve uma redução
nas hospitalizações, o que forta-
lece a tese de que há uma queda
geral do ritmo das infecções. O
total de mortes também se man-
tém estável – as 766 vítimas de
ontem estão abaixo das 837 de
terça-feira e do pico de 919, de
sexta-feira da semana passada.

Espanha. A Espanha também
apresenta tendência de redução
no crescimento da epidemia.
Em Madri, María José Sierra, do
Centro de Coordenação de Aler-
tas e Emergências Sanitárias,
afirmou que o “acréscimo do nú-
mero de infectados não chega a
7%, o que confirma a tendência
de queda dos últimos dias”.
Na semana passada, o cresci-
mento de novos casos chegava
a 20%. O número de novos ca-
sos e de mortes na Espanha, po-
rém, continua alto. Ontem,
com 11 mil novos infectados em
24 horas, o país chegou a 18 mil
casos confirmados, aproximan-
do-se da Itália, que tem quase
20 mil. / AFP
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