O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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H4 Especial DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Alice Ferraz*


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E


m tempos de incertezas,
olhar para história nos traz
conforto e um senso de or-
dem. Uma esperança baseada em fa-
tos, de que tudo pode e vai ficar bem
em algum momento. Digo isso, pois
escrever hoje sobre moda ou sobre
qualquer outro assunto que não seja
nossa sobrevivência diante da pan-
demia, me parece absurdo. Olhan-
do para a história, no entanto, me
convenço de que não é. A moda
(comportamento de uma dada épo-
ca, como sinônimo de costume, pa-
lavra que vem do latim modus) é, no
sentido estrito, a maneira como nos
vestimos em determinado momen-
to. A cada série ou filme a que assisti-
mos, ela contextualiza o momento e
nos faz reconhecer quem de fato éra-
mos, como nos comportávamos e
enxergávamos o mundo.
Com o momento atual não será
diferente. A reflexão pelo confina-
mento certamente nos trará uma
transformação intensa de como en-

xergamos a vida e, consequentemen-
te, de como nos vestiremos para fazer
parte do novo mundo que antevemos
por uma pequena fresta em nossa soli-
dão diária.
Durante os últimos dias, reli histó-
rias de Coco Chanel (1883-1971) e Ch-
ristian Dior (1905-1957), dois dos gran-
des que tiveram seus nomes escritos
na moda e que criaram uma nova estéti-
ca justamente em momentos de crise.
Fases em que o novo tinha que surgir
ante a incapacidade da moda vigente
sobreviver. Durante a Primeira Guerra
Mundial, entre 1914 e 1918, Chanel
criou em seu exílio em Biarritz, cidade
litorânea no sudoeste da França – para
onde a aristocracia “fugiu” no período
da guerra, tentando conservar costu-
mes que não eram mais possíveis –, for-
mas novas que exigiam tecidos leves,
fluidos e com movimento.
Sua primeira loja no balneário fran-
cês trazia modelos de jérsei e com com-
primento na altura abaixo dos joelhos,
uma proposta prática para novos tem-

pos, em que os longos vestidos usados
em Paris se mostravam completamen-
te fora de moda. Chanel usava cabelos
curtos e se bronzeava ao sol, algo im-

pensável à época. Ela representava a
mulher moderna que estava nascendo,
com energia, entusiasmo e atitude. A

roupa foi um dos símbolos dessa pro-
funda mudança.
Já monsieur Dior, depois da Segun-
da Guerra Mundial, em 1947, criou o
seu “New Look” como parte de um de-
sejo profundo de trazer o glamour e a
beleza perdidos em meio ao sofrimen-
to e a fome na Europa. Sofisticado e
elegante, o traje traduziu o desejo femi-
nino da época e se tornou referência.
Os dois estilistas sofreram retaliações,
claro. O olhar de vanguarda tem seu
preço.

Essa antena que conecta os gran-
des criadores com o espírito do tem-
po, e a mudança exigida, nos ajuda a
materializar um sentimento e uma
atitude – assim foi e assim será ago-
ra no pós-pandemia. O que será que
os novos criadores, em seu confina-
mento e solidão física, vão nos pro-
por como símbolo da nossa época?
Acredito que será uma evolução e,
como intensa observadora do com-
portamento humano que sou, te-
nho minhas apostas para o que pode-
mos esperar:


  • Novos materiais serão funda-
    mentais para que animais não per-
    cam mais suas vidas para nos vestir
    ou agasalhar, algo que já se mostra
    ultrapassado.

  • Conforto aliado à elegância
    certamente será uma palavra-cha-
    ve, pois, trabalharemos mais em
    nossos home offices. Afinal, por
    que ser elegante deve ser descon-
    fortável?

  • Ostentação óbvia, um exibicio-
    nismo desrespeitoso que não enxer-
    ga o outro, está fadada ao fracasso.
    Serão tempos com mais sobriedade
    no melhor que essa palavra pode
    nos trazer.
    Moderação, esperança, equilí-
    brio. Certamente serão tempos me-
    lhores.


Com a crise de saúde mundial
do novo coronavírus, que atin-
giu em grande escala as maio-
res capitais da moda mundial,
como Milão, Paris, Nova York
e Londres, as organizações res-
ponsáveis pela Semana de Mo-
da Masculina e pela Semana de

Alta-Costura não tiveram esco-
lha a não ser cancelar ou adiar
os eventos.
Na sexta-feira, dia 27, o conse-
lho de diretores da Fédération
de la Haute Couture et de La
Mode, organização responsá-
vel pelas Semanas de Moda Mas-

culina e de Alta-Costura de Pa-
ris, que estavam programadas
para acontecer de 23 a 28 de ju-
nho e de 5 a 9 de julho, respecti-
vamente, divulgou nota cance-
lando os eventos.
Em ação similar, o Conselho
de Moda Britânico também op-

tou por suspender o evento de
moda masculina de Londres,
que estava marcado para o perío-
do entre 13 e 15 de junho.

Grandes esforços. Na Itália, a
situação é mais grave. Além de
ser um dos países mais atingi-

dos pelo novo coronavírus até
agora, também tem a moda co-
mo um dos principais pilares
de sua economia. Nos últimos
anos, chegou a exportar 52 bi-
lhões de euros em bens, de acor-
do com relatórios da Câmara
Nacional de Moda Italiana. Pa-

ra contornar a situação trazida
pela pandemia, a Câmara adiou
a Semana de Moda Masculina e
agora busca novas formas de
apresentar as coleções para dar
continuidade ao calendário.
“Estamos cientes de que se-
rão feitos grandes esforços para
que as novas coleções estejam
prontas até junho para iniciar
uma campanha inovadora de
vendas”, anunciou o represen-
tante italiano, em comunicado.
Outro grande evento do seg-
mento na Itália que também te-
ve alteração em sua programa-
ção foi a trade fair Pitti Uomo,
voltada para o varejo, que reu-
niu em sua última edição em tor-
no de 21.400 compradores de
moda para conhecer os produ-
tos de 1.200 marcas expositoras.
O evento, que acontece em Flo-
rença, estava marcado para ju-
nho e foi adiado para o período
de 2 a 4 de setembro. “Setembro
pode ser o momento de acender
a faísca de uma grande recupera-
ção econômica e cultural em to-
do o país”, declarou Dario Nar-
della, prefeito de Florença.

Dior. Desejo de trazer o glamour

ORGANIZAÇÕES


ADIAM EVENTOS


IMPORTANTES


Chanel. Símbolo de modernidade

Na Itália, Câmara Nacional vai buscar


novas formas de apresentar coleções


MODA


paulatorres.com.br @paulatorresbrand


NICOLAS ASFOURI /AFP

FOTOS ACERVO ESTADÃO

Coco Chanel e Christian Dior
criaram uma nova estética
durante as Guerras Mundiais

O ato de se vestir em


tempos pandemia


Armani.
Lojas da
marca
foram
fechadas
por causa do
coronavírus

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