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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 8 DE ABRIL DE 2020 Política A
VERA
MAGALHÃES
V
ai começar a subida da monta-
nha, metáfora que vem sen-
do usada pelo ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pa-
ra designar a fase, que há muito se
sabe que chegaria, de escalada ru-
mo ao pico de contaminação pela
covid-19 no Brasil.
Até aqui, alguns fatores ajudaram
e outros atrapalharam sobremanei-
ra a preparação do País para essa es-
calada inexorável, pela qual todas as
demais nações do globo passaram
ou estão passando.
As nossas vantagens comparati-
vas vêm sobretudo do timing. A con-
taminação começou na China e se espa-
lhou pela Europa e pelos Estados Uni-
dos antes de chegar aqui de maneira
sustentada, o que nos deu tempo para
aprender com acertos e erros de ou-
tros povos e outros governos.
Foi positivo, por exemplo, para que
os governos estaduais e mesmo o go-
verno federal decretassem situações
de emergência, calamidade ou quaren-
tena, a depender da designação, e com
isso pudessem restringir a atividade
econômica e a circulação de pessoas e
preparar a retaguarda do sistema de
saúde, que já está sendo pressionado e
deve enfrentar uma situação próxima
ao colapso, quando não de colapso efe-
tivo, nos próximos dias.
Mas não soubemos aproveitar plena-
mente o que os especialistas chamam
de “vantagem temporal” que o vírus
nos deu. E isso graças a imperdoáveis
erros e omissões políticos, que podem
cobrar um preço enorme em termos
de vidas perdidas e situação social e
econômica agravada.
Nenhum desses erros tem a ver com
a decisão de distanciamento social, co-
mo quer fazer crer a narrativa bolsona-
rista que campeia irresponsavelmente
em gabinetes de Brasília e nas redes
sociais, atormentando uma sociedade
já assustada e que precisa de diretrizes
inequívocas das autoridades para se
guiar numa tempestade inédita.
Eles decorreram justamente do opos-
to: o boicote inexplicável do presiden-
te da República e de seu entorno a tudo
que envolve o protocolo de combate à
pandemia, do distanciamento em si à
liderança do ministro da Saúde. Birra.
Enquanto desautorizava Mandetta, di-
vulgava medicamento e fazia traquina-
gem furando o distanciamento, Bolsona-
ro deixou de tomar providências urgen-
tes e relevantes que ajudariam a preparar
as mochilas de escalada dos brasileiros.
A começar pelas providências da área
econômica. Essas, sim, deveriam ter si-
do alvo da obstinação teimosa do presi-
dente. Por que não exigiu e cobrou a
execução de um cronograma enxuto pa-
ra o pagamento da ajuda emergencial
de R$ 600 (que pode chegar a R$ 1.200)
aos mais vulneráveis, que só começará
a ser paga, se tudo der certo, amanhã?
Qual a razão para o presidente não
ter impedido que qualquer auxiliar
seu, a começar pelo filho e chegando
ao ministro da Educação, que nada
tem a ver com o peixe, criasse encren-
ca com a China no momento em que o
Brasil vai precisar do país para reto-
mar suas exportações e para impor-
tar insumos de emergência para o
combate à própria pandemia?
Essas, sim, são tarefas eminentes
ao uso da autoridade presidencial, es-
sa que Bolsonaro adora afetar, amea-
çando infantilmente usar a caneta pa-
ra depois recuar, o que acaba apenas
por desmoralizá-lo mais perante au-
xiliares, eleitores e o resto do mundo.
O presidente tirou uma “folga” on-
tem, depois de pintar o sete na segun-
da-feira e deixar o País com o fôlego
preso diante da possibilidade de de-
mitir o titular da Saúde em plena cri-
se. O recuo não pode ser considera-
do definitivo, e a trégua de um dia
estranhamente tranquilo pode ser
aquela calmaria que antecede o caos.
Mas foi um bom teste. Se o presi-
dente mantiver o foco em não atrapa-
lhar a escalada, pode ser que chegue-
mos ao doloroso cume e comecemos
a descer de volta menos machucados
que nossos vizinhos desenvolvidos.
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TWITTER: @VERAMAGALHAES
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A hora da escalada
Tânia Monteiro / BRASÍLIA
Escalado para coordenar as
ações do governo sobre o co-
ronavírus, o ministro da Casa
Civil, Walter Braga Netto, é
tratado em alas militares co-
mo “interventor” do Palácio
do Planalto. Um dos generais
que convenceram o presiden-
te Jair Bolsonaro a não demi-
tir o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, Braga
Netto agiu ontem para baixar
a temperatura do atrito.
“A palavra união é a posição
do governo”, disse ele, em entre-
vista ao lado de Mandetta. “Va-
mos tocar esse barco chamado
Brasil juntos”, concordou o titu-
lar da Saúde.
Bolsonaro chegou a planejar
demitir Mandetta anteontem,
mas recuou diante de pressões
de militares, do Congresso e até
do Supremo Tribunal Federal.
Isso sem contar o apoio obtido
pelo ministro nas redes sociais.
Militares do governo avaliam
que a dispensa de Mandetta,
neste momento, fortaleceria go-
vernadores que travam uma
queda de braço com Bolsonaro,
como João Doria (São Paulo) e
Wilson Witzel (Rio).
Nesse cenário, o chefe da Ca-
sa Civil assumiu a função de “ge-
rente” do governo. “Braga Net-
to é o homem certo, no lugar
certo, na hora certa”, disse ao
Estado o vice-presidente, Ha-
milton Mourão, alvo de críticas
do vereador Carlos Bolsonaro
(Republicanos-RJ) e de seus se-
guidores nas redes sociais.
A ala ideológica do governo e
o chamado “gabinete do ódio”,
comandado por Carlos, “filho
02” do presidente, desaprovam
o poder concedido aos milita-
res na equipe e, agora, na admi-
nistração da crise. Braga Netto,
no entanto, disse não se aborre-
cer com os ataques e continua
dando ordens aos colegas, até
mesmo em bilhetinhos que pas-
sa para ministros durante entre-
vistas no Planalto.
Diante de novo fogo amigo,
coube ao general Mourão de-
fender Braga Netto. “Ele não
está enquadrando ninguém,
apenas fazendo a verdadeira
governança. Assim, a Casa Ci-
vil passa a atuar como um ver-
dadeiro centro de governo”, re-
sumiu o vice. “Braga Netto está
fazendo o que sabemos: colo-
car ordem na casa.”
Na semana passada, circula-
ram rumores de que o ministro
da Casa Civil seria o nome esco-
lhido por uma Junta Militar pa-
ra assumir o comando do País,
deixando Bolsonaro como uma
espécie de “rainha da Inglater-
ra”. A versão ganhou força nas
redes sociais, a ponto de usuá-
rios alterarem o dicionário onli-
ne colaborativo Wikipédia para
apontar Braga Netto como o
39.º presidente do Brasil. A mu-
dança, porém, foi desfeita as-
sim que o site a identificou.
A tese da “conspiração” é ali-
mentada por filhos do presiden-
te, que têm Mourão entre seus
alvos. Ao Estado, porém, o ex-
comandante do Exército Eduar-
do Villas Boas foi enfático: “Nin-
guém tutela Bolsonaro”.
‘Freio’. Ex-interventor na se-
gurança pública do Rio em
2018, nomeado pelo então pre-
sidente Michel Temer, Braga
Netto é conhecido pelo estilo
“durão”. Nos últimos dias, tem
tratado de assuntos diversos:
da crise com Mandetta a discus-
sões econômicas.
Na Casa Civil há quase dois
meses, o general ainda faz substi-
tuições na pasta, antes chefiada
por Onyx Lorenzoni, hoje minis-
tro da Cidadania. O núcleo mili-
tar do governo considera que,
por não ter aspiração política –
ao contrário de Onyx –, Braga
Netto vai impor rapidamente
um “freio de arrumação” na equi-
pe. / COLABOROU JULIA LINDNER
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Semanas de pico da pandemia
não permitirão mais os
erros cometidos até aqui
l ‘Ordem na casa’
Entidades pedem ‘pacto’ e diálogo contra covid-19. Pág. A6 }
Chefe da Casa Civil
atua por Mandetta
Escalado para coordenar ações do Planalto na crise da Saúde,
general Braga Netto se torna alvo da ala ideológica do governo
“Braga Netto está fazendo o
que sabemos: colocar ordem
na casa, coordenando as
ações, de modo que haja
sinergia, cooperação e,
como consequência, os
esforços do governo sejam
mais eficazes.”
Hamilton Mourão
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA