Edição 163 >> ADEGA 55
fotos: divulgação
Homem fora da
equação ou dialogando?
O crítico de vinhos Harvey Steiman uma vez es-
creveu: “Para mim, o terroir abrange a soma total
das constantes de um lugar, incluindo composição
do solo, latitude, elevação, contorno, exposição ao
sol e clima. Não inclui manejo de videira, irriga-
ção, extração de folhas ou qualquer outra coisa
que os seres humanos possam fazer, especialmen-
te qualquer coisa que acontece depois que as uvas
são colhidas. É importante separar o que a Mãe
Natureza nos dá. A variedade de uva é parte do
terroir? Eu digo não, mas certos tipos de uva cer-
tamente expressarão um terroir específico melhor
que outros. Vinificação? Não faz parte do terroir,
mas cada escolha de um enólogo afeta sua expres-
são no vinho acabado. Como e quando esmagar
as uvas. Fermentar em aço inox, concreto, madei-
ra etc. Barricas novas ou antigas. Quanto tempo
envelhecer antes de engarrafar. Essas são apenas
algumas opções que afetarão significativamente o
caráter do vinho. Dentro de uma região, a maioria
dos produtores pode ter algumas dessas opções em
detrimento de outras. Em algumas denominações
europeias, essas questões são definidas por lei. Se
é comum que as pessoas façam coisas de alguma
forma em uma região, isso pode se tornar uma
característica constante dos vinhos de lá. Alguns
querem incluir ‘o trabalho do homem’ em sua de-
finição de terroir. Mas isso é estilo regional, não
uma expressão de terroir”.
Ou seja, em sua concepção, a mão do homem
não pode interferir decisivamente no vinho, do
contrário, isso não seria a verdadeira expressão do
terroir local. Uma visão similar, mas não tão in-
flexível é a do enólogo argentino Santiago Acha-
val. “O que estamos fazendo com o vinhedo?
No fundo, estamos negociando. Como enólogo,
você é como um guarda de trânsito. Mas não
em Londres, onde você aponta e as pessoas vão,
porém em Roma, onde o que você diz é apenas
uma sugestão. Você se senta com o vinhedo e
diz: ‘Conversemos. O que quer fazer? Eu gostaria
que fizesse isso, mas o que quer?’ É um diálogo
sério, apesar da metáfora. Pois há uma proposta
do enólogo e há uma reação do vinhedo. Diante
dessa reação, faço outra proposta. Melhor talvez.
É um diálogo lentíssimo, de anos”.
“Em termos gerais, os fatores [que determinam
o terroir] são naturais e não cabem a eles a inter-
venção significativa do homem, exceto às que se
referem ao microclima, podendo, por exemplo,
favorecer uma maior exposição das folhas e ramos
por meio de sistemas de condução de copa dividi-
das ou regulando o regime hídrico através da irri-
gação, etc.”, diz o enólogo Diego Pulenta.
Homem decisivo
Há outros, contudo, que apontam o papel do ho-
mem como decisivo não só na expressão do ter-
roir, mas na produção do vinho em si. “O vinho
é uma construção humana. Para mim, o estado
natural do vinho é vinagre. Para mim, o vinho é
uma construção humana assim como os terroirs.
Essa ideia ou filosofia atual de voltar a um estado
totalmente natural é um absurdo”, afirmou Jean-
-Charles Cazes, produtor do Château Lynch-Ba-
ges, em entrevista recente.
Para Stefano Ruini, enólogo da Tenuta Luce,
na Toscana, “o conceito de terroir é uma reali-
zação humana”. Ele diz: “Sem a humanidade,
“Como enólogo,
você é como
um guarda de
trânsito. Mas
não em Londres,
onde você aponta
e as pessoas vão,
porém em Roma,
onde o que você
diz é apenas
uma sugestão”
Santiago Achaval
GRUPO ÚNICO PDF