MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
(105) O amor nasce da formosura, e com ela morre;
e assim como pode haver amor constante, se é tão
pouco constante a formosura? E se esta muda tanto,
como pode ser que o amor não mude'? Há três pro-
gressos em tudo quanto a natureza abraça; o primeiro é
de crescer, o segundo de estar, e o terceiro de diminuir:
nesta lei também entra a formosura; cresce, está, e
diminui. O amor fielmente segue a formosura; não
muda quando a formosura cresce; não foge quando ela
está, mas com ela diminui, e acaba. O tempo com um
passo sutil, e disfarçado lentamente imprime na beleza
o seu caráter; já começa a ser tíbia a luz dos olhos; já se
mostra sem sabor o agrado, e já fica sem alma a mesma
graça; acabou-se pois a formosura, e apenas pode
desco-brir-se a sua ruína entre os mesmos sinais do seu
estrago: tudo são riscos donde se vê como em padrões
fatais escrita a impresão dos dias; tudo são
concavidades, donde se mostra como em funesto
exemplo gravado o rigor do tempo: essa imagem
desvêlo que foi da idolatria, cuidado de atenções, e
finalmente emprego que foi de tantos votos, já se vê
sem altar, e sem veneração; e trocado o culto em
vitupério, só ficou para objeto do desprêzo; como se a
idade fôsse algum delito, ou fôsse culpa o número dos
anos: assim acaba a formosura, assim acaba o seu
império, e também assim acaba o amor. O sol nascendo
no Oriente, vem cheio de beleza, e resplendor; por isso
tudo são tributos, tudo admirações, e tudo amores: as
fontes o festejam murmurando; as aves o anunciam
com requebros, e as flôres com o riso o lisonjeiam; mas
depois de ter corrido (qual gigante) um caminho
imenso; e depois que os resplendores se mudam no
ocaso em pálido semblante, logo acabam os amores, as
admi-