MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
passamos sem reparo; tudo o que distinguimos, ou
sabemos, é por comparação; de sorte que em não
podendo comparar, também não podemos conhecer: a
diferença das coisas entre si, é a que desperta a nossa
atenção, e dá lugar ao nosso conhecimento, por isso
tudo o que é formado como de um só rasgo, de uma só
linha, ou como de um só alento, logo nos fica sendo
incompreensível; o discurso não pode entrar naquilo
em que tudo é um, igual, ou uniforme ; porque a
unidade não admite combinação, e o pensamento não
pode introduzir-se fàcilmente donde tudo é o mesmo, e
donde não há nem diversidade de substância, nem
desigualdade de matéria. Podemos dizer, que a nossa
capacidade só tem por objeto aquilo que é composto;
porém tudo o que é simples absolutamente, fica sendo
mistério para nós, e por isso sempre oculto, e
escondido; e assim a divisão, e variedade de partes, ao
mesmo tempo que indica um ser imperfeito, também
serve de meio, que nos facilita a inteligência das
coisas, e nos conduz ao conhecimento delas; e desta
sorte alguma imperfeição na formosura, faz-nos ver
melhor o que ela tem de raro, e de admirável; algum
defeito, mostra-nos o que por outra parte ela tem de
singular; e finalmente algum vício, faz-nos reparar o
que se encontra nela de virtude; e assim serve-nos de
guia essa imperfeição, êsse vício, e êsse direito.
(110) Mas que poucas vêzes se encontra na beleza
aquele certo grau de imperfeição, que à maneira de
uma sombra leve só sirva de realçar-lhe a luz! A
repartição do vício sempre é larga, e abundante, e o
defeito não se comunica escassamente, com profusão
sim: o que vemos de imperfeição na beleza