matias

(Zelinux#) #1
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS

recebe, mas no braço que imprime; a arte não se
mostra no metal, mas na mão que conduz o buril, e
abre; o bronze não pode deixar de consentir a estampa,
porque não tem mais do que um modo passivo, e
material; só o braço obra ativamente: daqui vem que
quando amamos, é porque a formosura nos obriga a
amar; e assim que merecimento pode ha-ver em pagar
um tributo natural, forçado, e inevitável? Por isso o
amar, ou não amar por razão, por discurso, ou ainda
por interêsse, não pode ser; porque os sentidos, não se
deixam cativar por argumento: daqui vem que muitas
vêzes se ama, o que se não deve amar; isto será porque
o coração não pode resistir à formosura; o mais que
pode fazer, é calar, dissimular, esconder: podemos não
confessar, mas deixar de cair, é mui dificultoso;
podemos sofrer, mas deixar de sentir, também não;
podemos não seguir, mas deixar de apetecer é
impossível; antes o sofrimento aviva o amor, a
resistência o fortalece; porque tudo o que se reprime,
se esforça; um arco comprimido adquire mais vigor
para quebrar a corda. O mesmo é não querer, ou não
dever amar, que amar. Não temos domínio no nosso
gôsto; as coisas agradam-nos, porque nos parecem
agradáveis ; como havemos de impedir que as coisas
nos pareçam o que são, e ainda o que não são? Se os
sentidos nos enganam, quem nos há de desenganar, ou
como havemos de emendar êsses mesmos sentidos
enganados? A razão e o discurso não valem, ou não
sabem tanto como se diz; porque o que julgam, é por
meio de algum sentido enganador; se os olhos, e os
ouvidos se distraem e alucinam, que outros sentidos
temos nós, que os haja de conter, ou os faça retratar?
Julgamos pelo que vemos, e pelo que ouvimos: êstes
sentidos são em nós, como dois relatores injustos,
falsos, infiéis: daqui resulta que quando o

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