REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
Infeliz e estudada consolação! O cativeiro costuma ser
à medida da formosura; quanto mais belas, mais
presas: para terem alguma liberdade é preciso que não
tenham nenhuma formosura. Cruel situação! Quem há
de trocar uma coisa pela outra, ou quem sabe qual das
duas é melhor? Ter liberdade e formosura juntamente,
é muito; ter uma coisa, e perder a outra, é pouco.
Quem há de resolver-se a perder a liberdade, e também
que mulher se não há de afligir na falta de formosura?
As diferenças são, que a liberdade em quem a tem,
dura sempre, a formosura não; naquela não tem
domínio o tempo; nesta até se conhecem os instantes;
semelhante à gala de uma flor, que não tem mais
duração que um dia; e assim se vê que nas mulheres, a
injustiça dos homens lhes tira a liberdade assim que
nascem, e pouco depois lhes tira a formosura o tempo,
e de tal sorte, que nem restos lhe ficam do que foram,
para se consolarem do que são: nem pode deixar de
ser; porque o tempo não só desconserta, mas destrói, e
arruina; cada hora deixa o seu sinal; e os instantes que
diminuem a vida à proporção que passam, também
diminuem a formosura, até que a gastam, e desfazem;
semelhante a uma exalação, que em breve espaço se
dissipa. Os anos sim deixam a regularidade das
feições: mas de que serve uma regularidade usada? O
que nela se vê é como um debuxo, que não foi feito
para imagem, mas para semelhança. Uma
representação do que foi sempre é triste; por mais, que
a consideração se forme uma idéia agradável de um
monumento destroçado e antigo, sempre o que se
admira é com lástima: a imaginação fervorosa e forte,
pode de algum modo fazer presente o que não é, mas
não pode fingir tanto, que se não percebam as ruínas;
os vestígios trazem à memória a grandeza do edifício,
mas