MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
sempre o mostram desfeito. Isto sucede na beleza;
acaba-se em se lhe acabando a graça: esta continua-
mente foge; passa insensivelmente, e o que fica, é uma
estátua, uma sombra, uma figura.
(114) Ama-se por vaidade, e também por vaidade não
se ama. Diga-o aquela formosura a quem um voto
poderoso fêz perder a liberdade. Não foi inspiração
celeste que a fêz buscar a solidão de um claustro;
talvez foi um infeliz amor, a quem se opôs a vaidade.
Cruel destino! Havemos de amar à vontade da vaidade,
e não à vontade do amor? Mas que pouco dura o amor,
quando não nasce do amor! Não há maior combate,
que o que se dá entre a vaidade, e o amor; se êste fica
vencido, a mesma vaidade chora, e se arrepende; é
vitória, que se forma do estrago do vencedor. Um amor
desconsolado, em nada pode achar compensação;
porque esta só cabe, quando há outra coisa, que valha o
mesmo; ao amor não há coisa que o iguale, nem valha
tanto. Aquela mesma formosura, a quem a vaidade do-
minante fêz deixar o mundo, para a livrar de algum
amor humilde, sim vive retirado no limitado espaço de
uma prisão santa: mas que importa que essa prisão lhe
tire a liberdade das ações, se lhe não há de tirar a
liberdade do desejo? Assim como não há ferros para o
entendimento, também os não há para o coração; êste
ainda no meio da violência, e da tirania, sempre se
conserva isento e livre. Um véu prêto sempre esconde,
mas não muda, nem desfaz nada do que esconde; antes
tudo aumenta mais, e tudo mostra ainda maior e mais
claro do que é. Uma comunidade religiosa coberta de
véus, o que faz imaginar é que cada véu encobre uma
beleza, e muitas vêzes o que encobre, é uma fealdade
enor-