MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
que se oferece, é por entre uma infinidade de outras
razões; neste labirinto nos perdemos. Cada coisa tem
tantas partes por onde se considere, que de qualquer
modo que a imaginemos, sempre achamos argumentos,
que ou nos persuadem o êrro, ou nos confirmam o
acêrto: daqui vem que há opiniões para tudo, assim
como para tudo há exemplos. Àquilo, que nos parece
que é sem dúvida, é donde às vêzes a há maior. As
águas do oceano, por mais que sejam cristalinas, nem
por isso deixam ver o fundo que as sustenta; que
importa que sejam claras, se são profundas?
Recebemos as idéias, que o entendimento nos propõe,
ou certas ou duvidosas; e assim as conservamos: o
emendá-las é difícil, porque a emenda depende do
mesmo entendimento, que erra. A vaidade faz a
obstinação, porque é como um juiz inexorável, que
nunca muda, nem reforma; se é que o amor da
produção não concorre ainda mais.
(124) A vaidade de adquirir nome, é inseparável de
todos os que seguem a ocupação das letras; e quanto
maior é a vaidade de cada um, tanto maior a sua
aplicação: não estudam para saberem, mas para que se
saiba que êles sabem; buscam a ciência para a
mostrarem; o seu objeto principal é a ostentação, e
assim não é a ciência que buscam, mas a reputação;
está é como as outras, em que o adquirir é mais fácil
que o conservar; e verdadeiramente o conse-guir-se um
nome, pode ser obra de um dia, ou de uma hora; o
conservá-lo é emprêsa de tôda a vida. Do acaso de um
sucesso pode resultar um nome grande, mas de um
acaso, não pode resultar a conservação dêle. Bem se
pode ser feliz por acaso; mas