REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
grande, de maior, e de excelente, e as submissões, que
indicam o respeito, fazem uma parte essencial das
glórias dêste mundo; a primeira não consiste mais do
que em palavras; a segunda tôda se compõe de gesto.
Que importa à felicidade do homem, que os outros,
quando lhe falam, articulem mais um som, que outro, e
que nas reverências que introduziu a lisonja, se dobrem
mais, ou menos? A vaidade nos faz crer felizes à
proporção, que ouvimos esta, ou aquela voz, e que
vemos êste, ou aquele culto: a vida civil se reduz a um
cerimonial composto de genuflexões, e de palavras.
Só a vaidade sabe dar existência às coisas que (49) a não
têm, e nos faz idólatras de uns nadas, que não têm mais corpo,
que o que recebem do nosso modo de entender, e nos induz a
buscarmos êsses mesmos nadas, como meios de nos
distinguir; sendo que nem Deus, nem a natureza nos distinguiu
nunca. Na lei universal ninguém ficou isento da dor, nem da
tristeza; todos nascem sujeitos ao mesmo princípio, que é a
vida, e ao mesmo fim, que é a morte: a todos compreende o
efeito dos elementos; todos sentem o ardor do sol, e o rigor do
frio; a fome, e a sêde, o gosto, e a pena, é comum a tudo
aquilo que respira: o Autor do mundo fêz ao homem sôbre
uma mesma idéia uniforme, e igual, e na ordem com que
dispôs a natureza, não conheceu exceções, nem privilégios:
nunca o homem pode ser mais nem menos do que homem; e
por mais que a vaidade lhe esteja sugerindo uns certos
atributos, ou certas qualidades, que o fazem parecer maior, e
mais considerável, que os mais homens, essas mesmas
qualidades, ainda sendo verdadeiras, sempre