REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
deira, falsa, ou vaidosa é a que produz os diferentes
modos, que vemos uns nos outros. Os soberanos têm
um certo modo de olhar; de ver, de ouvir, de andar, de
perguntar, e de responder que só nêles é natural; a
vaidade dos grandes lhes faz afetar o mesmo modo,
que vêem nos soberanos; os mais homens tomam o
mesmo modo, que vêem nos soberanos; os mais
homens tomam o mesmo modo, que vêem nos
grandes, e cada um se irrita de ver um modo
impróprio, e sente como um desprêzo o achar um
modo, que não convém a quem usa dêle; o que
diversifica os modos é a alegria, a tristeza, o amor, o
ódio, o desejo, ou a indiferença, e mais que tudo a
vaidade.
A maior parte da vida passamos em buscar a (55) fortuna,
e a que vemos nos outros, é a que nos engana a nós: porém é
feliz o engano, que nos anima sempre. Que maior desgraça
que o viver indiferente, e sem ação; e que maior ventura que a
esperança com que a buscamos! O conceito, que fazemos de
qualquer bem, sempre excede ao mesmo bem, e assim
perdemos quando o alcançamos; de sorte que a fortuna parece
estar tanto em possuí-la, como em desejá-la. As fortunas, ou
consistem na abundância, ou no poder, ou no respeito: estas
são as mesmas fontes donde nasce a vaidade, e com efeito se
há vaidade sem fortuna, não há fortuna sem vaidade.
Por nosso mal lá chega a idade, em que não (56)
queremos mais fortunas, que o viver; conhecemos