MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
(59) Olhamos para o tempo passado com saudade,
para o presente com desprêzo, e para o futuro com
esperança: do passado nunca se diz mal; do presente
contìnuamente nos queixamos, e sempre apetecemos
que o futuro chegue: o passado parece-nos que não foi
mais do que um instante; o presente apenas os
sentimentos; e julgamos que o futuro está ainda mui
distante. Para dizermos bem do tempo, é necessário
que êle tenha passado, e para que o desejamos é
preciso considerá-lo longe. A vaidade faz-nos olhar
para o tempo, que passou, com indiferença, porque já
nêle fica sem ação: faz-nos ver o presente com
desprêzo; porque nunca vive satisfeita ; e faz-nos
contemplar o futuro com esperança, porque sempre se
funda no que há de vir; e assim só estimamos o que já
não temos; fazemos pouco caso do que possuímos; e
cuidados no que não sabemos se teremos.
(60) Com os anos imos mudando de umas vaidades
para outras; não porque queiramos mudar de vaidade,
mas porque algumas há, que em certos anos são
incompatíveis, e só têm lugar em outros. A gentileza é
a primeira vaidade, que a natureza nos inspira; vaidade
simples, e inocente ainda quando é mentirosa: a
natureza quer que nos amemos, por isso faz que nos
vejamos dotados de uma forma, ou figura encantadora,
fomos Narcisos logo no berço: a nossa imagem apenas
acabada de formar, logo nos atrai; o vidro que a
representa nos agrada, a lisonja, ainda quando
ignoramos o artifício do cristal; e desta sorte imos
passando sucessivamente a vida, entretidos em um
labirinto de vaidades, até que chegamos à vaidade dos
velhos; vaidade discursiva,