MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
menos é prova de que o pode ser. Quem sabe como o
mal se faz, está muito perto de o fazer; e quem sabe
como o engano se pratica, também não está longe de
enganar. A ciência do engano é já um princípio dêle;
que lhe falta a ocasião, e a vontade? A ocasião pode
oferecer-se, e a vontade poucas vêzes resiste a ocasião.
Por isso nos contratos é mais perigosa a fé nos que
sabem mais; o arrependimento é certo, quando em um
ajuste, ou não há conveniência, ou esta já passou:
queremos afastar-nos do contrato; o ponto é saber o
como; e assim para infidelidade só nos falta o modo, a
resolução não. O nosso cuidado todo está em descobrir
o expediente, e isto em ordem a mostrar que se
mudamos, é por vício do contrato, e não por nosso
vício. A repugnância voluntária, queremos fazer passar
por necessária: o violar a boa-fé nunca nos serve de
embaraço, contanto que a violação se atribua a outrem;
e o ser a culpa nossa não importa, contanto que pareça
alheia; aquilo em que ontem não havia nada de
impossível, porque era questão de receber, hoje é todo
impraticável, porque é questão de dar; ontem parece
que os montes se reduziam a planícies, hoje as
planícies se reduzem a montes. Qualquer coisa é um
obstáculo intratável: assim devia ser, porque o
prometer é fácil, o cumprir dificultoso; para prometer
basta a intenção. Quem promete, exercita um ato de
liberdade, por isso pode haver gôsto na promessa;
quem cumpre, já é por fôrça da obrigação, por isso em
cumprir há uma espécie de violência: a ninguém se
obriga a que prometa, a que cumpra sim; no prometer
fazemos nós, no cumprir fazem-nos fazer; em uma
coisa nós somos o que obramos, na outra não; para
aquela vamos, para esta levam-nos; no tempo de
prometer o que vemos,