REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
águas de uma fonte; já não são aquelas, que vieram de
um rochedo sombrio e cavernoso; mudado o nome, e o
teatro, agora estão formando a imensidade do Oceano:
já não servem de animar o prado, nem de triste
companhia a um amante solitário; já não servem de
espelho às verdes ramas, nem o seu sussurro serve já
de líquido instrumento ao canto singular das aves;
finalmente já não são cristais as suas águas, são ondas.
Desta mesma sorte são os homens: assim saem, assim
buscam, e assim chegam ao estado da grandeza; a
vaidade, que os leva, e acompanha, logo lhes tira da
memória o lugar de que vieram, e os que andaram, e só
lhes mostra aquele adonde estão: há muitas coisas que
não queremos, ou não podemos ver nem na sua origem
nem no seu progresso; a excelência do fim nos ocupa
inteiramente, e impede, que vejamos a fatalidade ou
indignidade dos seus meios; até o nosso pensamento
parece que se deixa penetrar de atenção e de respeito, a
fortuna não escolhe os homens, favorece ao primeiro
que encontra, porque todos para a fortuna são iguais, e
valem o mesmo; por isso o império do destino é
absoluto, sem regras, nem preceitos; a vaidade nos
ensina, que todos os meios, e caminhos são bons,
quando se alcança; a glória do sucesso regula-se pela
qualidade da vitória, e não pela qualidade do vencedor;
importa menos saber, quem é o que venceu, ou como
venceu, do que saber sòmente quem venceu: os
homens s ó na razão de homens têm igual direito uns
para subirem, e outros para descerem; o merecimento
só se pesa naqueles que caem, e não nos que sobem. Os
caminhos exa-minam-se aquêles por onde se não
chegou, e os meios são desaprovados, quando por êles
se não conseguiu; a fortuna costuma haver os
merecimento por justificados ; a desgraça não é assim,
porque os deixa du-