MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
vidosos, e sujeitos ao exame: as ações, que conduziram a
algum fim grande, ainda que injusto, são menos
aborrecidas; e isto à imitação da luz, que introduz a
claridade na mesma escuridão das trevas. Na parte em
que domina algum usurpador, para êle é que se olha, e
não para a usurpação; vê-se a altura do trono, e não se
vêem os degraus por onde se subiu a êle; os meios por
mais que sejam horrorosos, não se consideram, porque
são como degraus, que se pisam; o ponto é que o fim seja
feliz. Se a vaidade fôsse uma virtude, só nos havia de ins-
pirar meios virtuosos; mas como é vício, tudo nos ensina:
por isso o ser cruel, traidor, tirano, não faz horror a quem
necessita da traição, da tirania, • e da crueldade. O estado
da grandeza poucas vêzes se adquire justamente, a
fortuna parece que se irrita de que a não busquem por
todos, e quaisquer modos: não há coisa que nos faça
buscar a fortuna tanto como a vaidade.
A ambição dos homens por uma parte, e pela (78) outra a
vaidade têm feito da terra um espetáculo de sangue: a mesma
terra, que foi feita para todos, quiseram alguns fazê-la
unicamente sua: digam os Alexandres, os Césares, outros mais
conquistadores; heróis não por princípio de virtude, ou de
justiça, mas por um excesso de fortuna, de ambição, e de
vaidade. Êsses mesmos, que tomados por si sós cabiam em
um breve espaço, medidos pelas suas vaidades, apenas cabiam
em todo o mundo: que mais podia excogitar a vaidade, do que
fazer que alguns se lamentassem de ser o mundo estreito, e
limitado! Já lhes parecia que o tinham todo debaixo do seu
poder; que tudo estava já sujeito, e que ainda assim era curto
império todo o circuito da terra, e tôda