Operários da fábrica da Ford, em
São Bernardo do Campo (SP): a
montadora vai demitir 28 000
pessoas até o final de 2019
A
s grifes Ralph
Lauren e Versa-
ce, a startup de
entregas Glovo,
a montadora
Ford e a marca
de cosméticos
NYX. Sabe o que
todas têm em
comum? Elas
foram algumas
das empresas
internacionais que tomaram a deci-
são de encerrar as atividades no Bra-
sil nos últimos 12 meses. Em um
cenário de alto índice de desempre-
go (segundo o IBGE, em fevereiro
eram 13,1 milhões de pessoas sem
carteira assinada), a saída de marcas
tão consagradas, mas que não con-
seguiram viabilizar as operações por
aqui, preocupa — e com razão. Além
de piorar os índices de emprego e
renda no curto prazo, os prejuízos
dessa aparente debandada podem
ter efeitos mais longínquos. Com me-
nos multinacionais investindo e tra-
zendo inovações para o país, corre-
mos o risco de perder competitivida-
de. “O intercâmbio de conhecimentos
é o principal fator para qualificar o
mercado, e as empresas internacio-
nais propiciam isso”, comenta Marcos
Piellusch, professor da Fundação
Instituto de Administração (FIA).
Embora o cenário pareça desespe-
rador, especialistas acreditam que
não estamos vivendo uma fuga em
massa de empresas estrangeiras.
“Não enxergamos a saída dessas
multinacionais como uma tendên-
cia. Elas têm motivos próprios para
deixar o país, que não necessaria-
mente estão interligados”, diz Viktor
Andrade, líder de fusões e aquisições
da EY, consultoria que, entre outras
VOCÊ S/A wMAIO DE 2019 w 45
atividades, assessora empresas que
iniciam e encerram operações no
Brasil. Os números comprovam essa
crença. O índice IDP (Investimento
Direto no País), que mede a movi-
mentação de capital internacional,
como aquisição de subsidiárias ou in-
vestimentos em unidades, por exem-
plo, subiu de 70 bilhões de dólares,
em 2017, para 88 bilhões de dólares,
no último ano — um avanço de 26%.
Viktor, da EY, reitera que empresas
dos setores de saúde, óleo e gás, in-
fraestrutura, agronegócio e fintechs
de meios de pagamento, em contra-
partida, estão enxergando com bons
olhos o mercado brasileiro. Alguns
exemplos são a petroquímica Exxon-
Mobil, que chegou recentemente ao
país, além da chinesa Fosun, dona
da Guide e da Rio Bravo Investimen-
tos, e da UnitedHealthGroup, deten-
tora da Amil, que fizeram aportes
recentes no mercado brasileiro.
Sinal vermelho
Se, por um lado, o cenário das mul-
tinacionais não é extremamente crí-
tico, por outro, o contexto brasileiro
não poupa preocupações. Incertezas
políticas, sistema tributário com-
plexo e ambiente desfavorável aos
em preen dedores são fatores deter-
minantes para decisões drásticas —
tanto de empresas nacionais quanto
de internacionais. De acordo com
dados do IBGE, por exemplo, em
2016, pelo terceiro ano consecuti-
vo o saldo de companhias ficou no
negativo, com um decréscimo de
1,6% de empresas no Brasil. Isso
significa que cerca de 70 800 em-
presários foram à bancarrota.
Isso tudo, aliado ao desemprego
crescente, gerou uma queda verti-
ginosa no consumo do brasileiro, o
que afeta diretamente os negócios.
Segundo um estudo da empresa de
pesquisas Kantar, em 2018 registrou-
-se uma queda de 2% no consumo do
país em produtos comercializados.
Como consequência, os tempos de
“PIBinho” permanecem e hoje a ex-
pectativa, segundo o Banco Central,
é de 2% de crescimento do produto
interno bruto até dezembro. “Com a
retração econômica e a diminuição
do consumo, as empresas ficam sem
um volume mínimo para manter a
operação em pé. Como não ocorre
uma retomada rápida [a recessão
no Brasil perdura desde 2014],
encerrar as atividades acaba sen-
do uma saída”, diz Marcos, da FIA.
Um exemplo é o que aconteceu
com o segmento automotivo nos
últimos anos. Empolgadas com o
mercado consumidor, no início dos
anos 2000 as montadoras investiram
em novos projetos e, principalmente,
aumentaram a produção de veículos.
O resultado foi que a capacidade da
indústria, entre 2011 e 2013, chegou
próxima a 6,5 milhões de veículos,
com a produção atingindo o pico de 4
milhões de carros. Porém, a deman-
da de compra não veio. “Com o início
da crise, em 2014, o setor apresentou
forte retração, alcançando cerca de
2 milhões de unidades vendidas. Ou
seja, as empresas passaram a ter dois
terços de ociosidade em suas plan-
tas, o custo operacional foi lá para
cima e a rentabilidade despencou”,
diz Raphael Galante, da Oikonomia
Consultoria. A primeira montadora
a deixar o país após esse cenário foi
a Ford, que anunciou, em feverei-
ro, que desativaria sua fábrica em
São Bernardo do Campo (SP) até o
fim deste ano. A decisão representa
uma demissão de 2 800 funcionários.
“Quando uma empresa como a Ford
deixa nossa economia, não é somente
a perda de empregos que ocorre, mas
toda uma cadeia produtiva é afeta-
da”, conclui Marcos, da FIA.
E a saída de multinacionais causa
danos não só econômicos. Além de
diminuir as possibilidades de uma
carreira internacional, por moti-
vos óbvios, mesmo para quem não