O Estado de São Paulo (2020-04-23)

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A10 QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


lO Brasil registrou ontem 165
novas mortes provocadas pelo
novo coronavírus e 2.678 novos
casos da doença em 24 horas,
segundo informações do Ministé-
rio da Saúde. Com isso, em todo
o País, o número de mortes de
pessoas infectadas pelo novo
coronavírus chegou a 2.906, com

um total de 45.757 casos confir-
mados. São Paulo, que concentra
a maior parte das contaminações
e mortes, registra 15.914 casos e
1.134 mortes. Rio tem 5.552 ca-
sos confirmados e 490 mortos,
seguido pelo Ceará, com 3.
casos e 233 mortos, e Amazo-
nas, que registra 2.479 casos e
207 mortos. Manaus é hoje o lo-
cal com maior dificuldade de
atendimento a doentes ( Mais in-
formações na pág. A11 ), com o
sistema de saúde em colapso. /
ANDRÉ BORGES e JULIA LINDNER

Mateus Vargas / BRASÍLIA


O ministro da Saúde, Nelson
Teich disse ontem que o País
está entre os que estão em me-
lhor situação na pandemia. “O
Brasil hoje é um dos países que
melhor performa em relação à
covid. Se você analisar mortos


por milhão de pessoas, o núme-
ro do Brasil é de 8.17. A Alema-
nha tem 15. A Itália, 135; Espa-
nha, 255; Reino Unido, 90 e
EUA, 29”, disse Teich ontem,
em sua primeira entrevista à im-
prensa no cargo.
A fala incomodou gestores da
saúde e técnicos do ministério
ouvidos pela reportagem. Reser-
vadamente, eles dizem que a
comparação é incorreta, pois a
falta de testes não permite afir-
mar quantos casos e mortes o
País tem de fato – ou seja, não
considera a subnotificação.
Os dados apresentados por

Teich de mortos por milhão
são, ainda, distintos de núme-
ros usados como base pelo pró-
prio ministério. A Alemanha
tem 63 mortos por milhão pela
covid. A Itália, 415, e o Brasil, 14.
Os dados de Estados brasilei-
ros são discrepantes. Amazo-
nas (45 por milhão), Pernambu-
co (24), Rio (23), São Paulo (23)
e Ceará (22) têm coeficiente de
mortalidade muito alta, de acor-
do com dados de anteontem do
próprio ministério. Procurada
pela reportagem, a pasta não in-
formou qual foi a fonte usada
por Teich.

Internações. Conforme bole-
tim da Saúde de anteontem, o
Brasil já registrou 366% mais
hospitalizações por síndrome
respiratória aguda grave (S-
RAG) em 2020 do que em 2019.
O dado sugere um largo núme-
ro de pacientes da covid-19 sem
diagnóstico.
Na semana epidemiológica
13, que acaba no fim de março,
foram 11.797 internações em
2020, ante 1.123 no ano passa-
do. Cerca de 9 mil casos desta
semana ainda estavam em in-
vestigação até segunda. “Nos-
sos números são um dos melho-

res. Qual o problema da covid?
Assusta porque acomete muito
rápido o sistema. E os sistemas
de saúde não são feitos para ter
ociosidade. Têm de trabalhar
com eficiência máxima. Os hos-
pitais trabalham no limite.

Quando tem algo que sobrecar-
rega o sistema, é quase impossí-
vel conseguir se adaptar na velo-
cidade necessária”, disse Teich.
Para Julival Ribeiro, da Socie-
dade Brasileira de Infectologia,
comparar o Brasil com outros
países exige mais testes e mais
dados. O ministério promete
ter 46,2 milhões de exames na
crise, mas só entregou 2,5 mi-
lhões até agora a Estados. Paí-
ses que tiveram êxito no comba-
te à doença, como a Coreia do
Sul, fizeram a testagem em mas-
sa. “Nos Estados com isolamen-
to social, postergamos um pou-
co ( o aumento de casos). Não
vêm ocorrendo ao mesmo tem-
po. Mas nunca vimos tanta
pneumonia”, diz Ribeiro.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Total de infectados


passa de 45 mil; País


tem 2.906 mortes


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l Reação

MIGUEL SCHINCARIOL/AFP–21/4/

l Sob controle
“Temos 55% de isolamento
social e vamos continuar
acompanhando as
restrições do governo
estadual.”
Celso Simão Leite (PSDB)
PRESIDENTE DE SANTA BRANCA

Dado consta do MonitoraCovid-19, sistema da Fiocruz que revela velocidade com que a epidemia se dissemina, e destaca ainda a


interiorização da doença para as cidades de menor porte. Dentre os municípios com mais de 500 mil habitantes, todos já têm casos


Teich diz que País está entre os melhores no combate


Amazonas improvisa atendimento a internados. Pág. A11}


“Quando tem algo que
sobrecarrega o sistema, é
quase impossível se adaptar
na velocidade necessária.”
Nelson Teich
MINISTRO DA SAÚDE

Roberta Jansen / RIO


O número de mortes provoca-
das pela covid-19 no Brasil
tem dobrado a cada cinco
dias. Nos Estados Unidos, es-
sa duplicação ocorre a cada
seis dias, e na Itália e na Espa-
nha, a cada oito. O dado cons-
ta da última nota técnica do
MonitoraCovid-19, um siste-
ma da Fiocruz que agrupa da-
dos sobre a pandemia do no-
vo coronavírus, e revela a ve-
locidade com que a epidemia
se dissemina no Brasil.

“A nossa situação hoje é pior
do que a de Itália, Espanha e
Estados Unidos. Por isso, o nú-
mero de mortes está dobrando
em um espaço de tempo me-
nor”, afirmou o epidemiologis-
ta Diego Xavier, pesquisador
do Instituto de Comunicação e
Informação em Saúde (Icict),
da Fiocruz, e um dos responsá-
veis pelo trabalho. Além de epi-
demiologistas, geógrafos e es-
tatísticos do Icict/Fiocruz têm
trabalhado com a ferramenta
para produzir análises sobre o
avanço da doença.
“Os dados de óbitos são mais
confiáveis do que os dados de
casos para medir o avanço da


epidemia”, justificou Xavier.
“Isso porque, no caso do óbito,
mesmo o diagnóstico que não
foi feito durante a evolução
clínica do paciente pode ser in-
vestigado. Além disso, a situa-
ção clínica do paciente que
vem a óbito é mais evidente,
quando comparada aos casos
que podem ser assintomáticos
e leves.”

Interiorização. A nota técnica
também alerta para a interiori-
zação da epidemia, que está
chegando de forma acelerada
aos municípios de menor por-
te do País. Dentre os municí-
pios com mais de 500 mil habi-
tantes, todos já apresentam ca-
sos da doença. Naqueles com
população entre 50 mil e 100
mil habitantes, 59,6% têm ca-
sos. Já 25,8% dos municípios

com população entre 20 mil e
50 mil, 11,1% daqueles com po-
pulação entre 10 mil e 20 mil
habitantes e 4,1% dos municí-
pios com população até 10 mil
habitantes apresentam doen-
tes de covid-19.
Para o epidemiologista, a de-
cisão de suspender o isolamen-
to social em municípios que
não têm nenhum caso da doen-
ça registrado é extremamente
temerária, sobretudo em um
momento de aumento da velo-
cidade da disseminação da
doença. “Estão tomando uma
decisão muito arriscada”, dis-
se. O pesquisador lembrou
que, mesmo que não haja regis-
tro oficial, a doença já pode es-
tar circulando.
Além disso, ressalta ele, as ci-
dades menores estão ligadas às
maiores, e é inevitável que o ví-
rus chegue até elas. “À medida
que a doença avança para o inte-
rior e atinge cidades menores,
a demanda por serviços mais
especializados de saúde, como
UTIs e respiradores, também
cresce”, constata. “Só que es-
ses municípios menores, em
sua maioria, não detêm esses
recursos de saúde, então terão
de enviar seus pacientes a cen-

tros maiores, que já apresen-
tam leitos, equipamentos e pes-
soal de saúde em situação di-
fícil”, alertou Xavier.

Exemplo. Com 14 mil habitan-
tes, dois casos confirmados e
um óbito, Santa Branca, no in-
terior de São Paulo, era até on-
tem o menor município paulis-
ta com mais incidência do coro-
navírus. Até terça-feira, 239
municípios do interior paulis-
ta (de um total de 645) já regis-
travam casos da doença. Gran-
de parte tinha apenas um regis-

tro de infecção, segundo dados
divulgados pelo governo do Es-
tado de São Paulo.
O prefeito de Santa Branca,
Celso Simão Leite (PSDB), diz
que o vírus não circula na pe-
quena cidade do Vale do Paraí-
ba. “Esses casos não são nos-
sos, embora sejam moradores
daqui.” Ele contou que as duas
pessoas que contraíram o vírus
são um casal que mora há mui-
to tempo em Santa Branca,
mas, segundo o prefeito, a in-
fecção aconteceu em um hospi-
tal de São Paulo, onde a mulher

de 71 anos fazia tratamento de
câncer. Ela acabou morrendo.
“O marido voltou para Santa
Branca e está cumprindo uma
quarentena rigorosa.”
Segundo o prefeito, o sepul-
tamento ocorreu no cemitério
local, com caixão fechado e a
presença de poucos familiares,
em cerimônia rápida. “Não du-
rou meia hora e foram toma-
dos todos os cuidados, mas nu-
ma cidade pequena, acostuma-
da com o velório tradicional,
isso chega a ser chocante.” Lei-
te conta que há pressão para a
reabertura do comércio e a vol-
ta dos turistas, mas mantém a
quarentena com apoio da maio-
ria da população.
“A cidade tem um hospital
com quatro leitos equipados
com respiradores, mas os ca-
sos urgentes vão para o hospi-
tal de referência, em Jacareí, a
15 quilômetros”, diz Leite. On-
tem, todos os leitos estavam de-
socupados, o que ele atribui ao
medo do coronavírus. “Nossa
média de atendimento no hos-
pital caiu de 190 para 20 pacien-
tes por dia. Por medo, as pes-
soas só procuram o hospital
em último caso.” / COLABOROU
JOSÉ MARIA TOMAZELA

Número de mortes no Brasil dobra a


cada 5 dias; ritmo supera EUA e Europa


Espaço. Vista aérea de trabalhadores abrindo mais valas para corpos no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo: panorama hoje é pior que nos Estados Unidos, na Itália e na Espanha


Metrópole


Fala incomodou gestores


da saúde e especialistas,


por não considerar


subnotificação e pela


falta de testes e dados


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