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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 Metrópole A
Com filas na rua em espaços pa-
ra atender suspeitas de corona-
vírus e poucos leitos disponí-
veis, o Pará vai agora recorrer a
médicos cubanos. A Procurado-
ria-Geral do Pará (PGE) libe-
rou ontem parecer jurídico
com as orientações técnicas ne-
cessárias à contratação, pelos
órgãos estaduais, de 86 profis-
sionais estrangeiros – que ali já
atuaram na década passada –,
para reforçar o atendimento de
covid-19. Os médicos devem
atuar no Hospital de Campa-
nha instalado no Hangar – Cen-
tro de Convenções da Amazô-
nia –, na capital paraense, e nas
unidades básicas de saúde
(UBSs) e de pronto-atendimen-
to (UPAs) do município.
“As contratações serão feitas
pelo Estado para que os médi-
cos atuem em Belém, onde há o
maior número de infectados. E
vão auxiliar a prefeitura neste
momento de crise”, explicou o
procurador-geral do Estado, Ri-
cardo Sefer.
Anteontem, houve filas imen-
sas e necessidade de fechar por-
tões na Policlínica Metropolita-
na, na capital paraense. O cen-
tro médico foi direcionado espe-
cificamente para atender casos
suspeitos do novo coronavírus.
“Devido à grande demanda re-
gistrada no primeiro dia de aten-
dimentos, foi necessário reali-
nhar o fluxo de assistência no
local. Só na terça-feira (21), a Po-
liclínica atendeu 380 pacientes
e realizou 8 transferências para
o Hospital de Campanha do
Hangar”, informou a Secretaria
de Saúde.
O serviço, que deveria funcio-
nar até 22 horas, precisou ser
suspenso no fim da tarde, o que
motivou ainda um apelo do go-
vernador Helder Barbalho
(MDB), que também contraiu a
doença e está isolado. “Pessoal,
um esclarecimento e uma con-
vocação. A Policlínica não é
pronto-socorro. Ela é um apoio
para a rede municipal de saúde
de Belém para combater a co-
vid-19. Nós estamos fazendo
nossa parte. Que prefeitos e
que cada um faça sua parte tam-
bém. Somente juntos é que va-
mos vencer”, disse nas redes.
Segundo informe do governo
do Estado, havia anteontem so-
mente 16 leitos de UTI vagos. A
situação é crítica porque víti-
mas da covid-19 chegam a ocu-
par leitos por até três semanas.
Subnotificação. O critério ado-
tado de só fazer testes em pa-
cientes graves também traz a
desconfiança de que os dados
oficiais não sejam condizentes
com a realidade da pandemia
no Estado. E a secretaria reco-
nhece isso. “Certamente há um
grande número de subnotifica-
ção, considerando que não há
como realizar exames para to-
das as pessoas que apresentam
sintomas”, justificou.
A ativista de direitos huma-
nos Rebecca Souza, por exem-
plo, desconfia que a mãe tenha
adquirido a doença durante a in-
ternação hospitalar. Elioneide
Souza sofreu um acidente vas-
cular cerebral no dia 9 de março
e faleceu em 12 de abril. “O lau-
do da morte foi de covid-19, o
médico disse que não tinha cer-
teza de que a causa da morte ha-
via sido só resultante do AVC
porque o raio X indicava a possi-
bilidade”, lembrou a filha.
A ativista lembra que, duran-
te os dias de internação, o hospi-
tal particular em que a mãe esta-
va internada alegou que a pa-
ciente havia contraído pneumo-
nia. O Estado informou que to-
dos os óbitos com suspeita de
covid são investigados. / FLÁVIA
RIBEIRO, ESPECIAL PARA O ESTADO
Com quase 100% de ocupa-
ção de leitos de UTI, o Amazo-
nas improvisa o atendimento
de pacientes com a covid-19 e
usa até sacos plásticos no lu-
gar de respiradores para esta-
bilizar os doentes. O Estado
registrava ontem 2.479 casos
de coronavírus e 207 óbitos.
A Assembleia Legislativas do
Amazonas chegou a pedir in-
tervenção federal, o que foi
descartado, por enquanto, pe-
lo Palácio do Planalto.
Anteontem, um vídeo que
mostra um paciente respirando
em uma câmara improvisada e
feito de saco plástico repercu-
tiu nas redes sociais. Segundo a
Secretaria de Estado de Comu-
nicação, a medida foi adotada
como alternativa de assistência
enquanto o paciente aguardava
transferência para outra unida-
de. Segundo o governo, a equi-
pe médica da unidade em que
isso ocorreu decidiu por conta
própria, e com autorização da
família, “usar uma técnica expe-
rimental não invasiva para man-
tê-lo estável”. O paciente foi
transferido para uma unidade
da rede privada.
Outros vídeos feitos por pro-
fissionais de saúde e por paren-
tes de pacientes em Serviços de
Pronto Atendimento (SPA) de
Manaus mostram a revolta da
população. Em uma das unida-
des, o filho de um paciente fil-
mou o pai em um leito e diz que
não há funcionários para dar as-
sistência. Em outro vídeo, na
mesma unidade, um paciente
aguarda em uma cadeira de ro-
das enquanto os acompanhan-
tes dele batem em portas e gri-
tam em desespero chamando
funcionários para socorrê-lo.
Segundo os profissionais de
saúde, a doença tem afetado o
quadro de servidores no Esta-
do. “Estamos adoecendo e adoe-
cendo nossas famílias”, afir-
mou Graciete Mouzinho, presi-
dente do Sindicato dos Enfer-
meiros e Técnicos de Enferma-
gem do Amazonas. Até os profis-
sionais de saúde evitam buscar
atendimento na rede estadual.
“Muitos ficam em casa”, dis-
se Graciete. Segundo a enfer-
meira, o risco de infecção é gran-
de. “Se eles ficam na sala rosa
(unidade semi-intensiva) , onde
estão isolados até o fim do plan-
tão, têm de se alimentar ali num
local cheio de vírus.” Para evi-
tar contágio, profissionais tam-
bém improvisam. Alguns com-
pram material de proteção com
recursos próprios. “Tem gente
levando máscara N95 para casa
para lavar e reutilizar,”
A prefeitura de Manaus deci-
diu contratar contêineres para
colocar os corpos das vítimas e
evitar contaminação. Também
existem registros de óbitos em
casa. “Hoje (segunda-feira) , dos
106 sepultamentos (no Estado) ,
36,5% das pessoas morreram
em casa. Está se caracterizando
certa falência, certo colapso
das possibilidades de atender”,
afirmou o prefeito Arthur Virgí-
lio (PSDB), em vídeo nas redes
sociais.
Em Manaus, o total de sepul-
tamentos só até o dia 21 de abril
já era 47% maior do que o regis-
trado em todo o mês de janeiro
deste ano, antes do início da
pandemia. Foram 905 sepulta-
mentos no primeiro mês do
ano, ante 1.330 em abril. Pressio-
nado pelo aumento no número
de enterros, o cemitério Parque
Tarumã, na capital amazonen-
se, já abre covas rasas.
O aposentado Damião Anto-
nio da Silva, de 80 anos, morreu
na terça-feira e foi enterrado
em uma vala comum, com cai-
xão lacrado. “Eles alegam que
está sobrecarregado”, disse Ley-
dianne Silva, de 31 an os, sobri-
nha de Damião. “Só no momen-
to que nós estávamos lá, conta-
mos mais de 30 caixões. São en-
terrados de cinco em cinco, por
vala. Fizeram uma tenda branca
e ficam muitas pessoas debaixo
da tenda, aguardando o enter-
ro”, relatou Leydianne.
Intervenção. O ministro da Se-
cretaria de Governo, Luiz
Eduardo Ramos, afirmou on-
tem que o presidente Jair Bolso-
naro recebeu pedido de inter-
venção federal no sistema de
saúde do Amazonas. Consulta-
do sobre a possibilidade, po-
rém, o governador Wilson Lima
(PSC) disse que a situação está
sob controle, o que fez o Palácio
do Planalto descartar intervir
no Estado. A solicitação havia
sido aprovada na segunda, pela
Assembleia Legislativa amazo-
nense e foi levada a Bolsonaro
pelo líder do MDB no Senado,
Eduardo Braga (AM).
Segundo uma fonte do Palá-
cio do Planalto, Lima afirmou
ao ministro que não há necessi-
dade de intervenção e que o re-
querimento de deputados esta-
duais envolve questões políti-
cas. /JÚLIA LINDNER, TÂNIA
MONTEIRO, FELIPE FRAZÃO. ROSIENE
CARVALHO e CÉLIO ANDRADE SILVA,
ESPECIAL PARA O ESTADO
Com filas em alta, Pará
recorre a médicos cubanos
Marcio Dolzan / RIO
Operando no limite da capaci-
dade por causa da pandemia do
novo coronavírus, hospitais do
Rio já têm dificuldades para rea-
lizar novas internações. Deze-
nas de pacientes estão sendo
transferidos diariamente para
unidades do interior – algumas
a mais de cem quilômetros da
capital. A ocupação das UTIs
disponíveis beira os 80%. Para
tentar dar conta da demanda ca-
da vez maior por vagas, a prefei-
tura do Rio pretende contratar
mil leitos com a rede privada
A Secretaria Estadual de Saú-
de (SES) informou ontem que a
taxa de ocupação na rede esta-
dual é de 66% em leitos de enfer-
maria e 78% em leitos de UTI.
Declarou ainda que nos últimos
45 dias abriu 548 vagas exclusi-
vas para tratamento de pacien-
tes infectados pelo coronavírus
em todo o Estado. Ao todo, a
SES planeja oferecer na capital,
na região metropolitana e no in-
terior 3.414 leitos. O número in-
clui 2 mil leitos em hospitais de
campanha que ainda estão sen-
do construídos.
A demanda por internações,
contudo, já começa a saturar a
rede pública na capital flumi-
nense, que até ontem registrava
3.656 casos confirmados da
doença, com 303 mortes. Desde
a semana passada, a solução en-
contrada tem sido transferir
boa parte dos pacientes para
unidades no interior. Reporta-
gem da TV Globo mostrou que
até 30 pacientes chegam a ser
levados ao Hospital Zilda Arns,
uma das unidades de referência
no combate à covid-19 no Esta-
do, todos os dias. A unidade fica
em Volta Redonda, a 120 quilô-
metros da capital.
A transferência de pacientes
para o interior muitas vezes aca-
ba se transformando em um dra-
ma extra aos familiares. “Levei
minha mãe ao Hospital Ronal-
do Gazolla na manhã de segun-
da-feira (dia 13) , e à tarde me
informaram que haviam trans-
ferido ela para Volta Redonda.
Não conseguíamos informação
nenhuma por telefone e não ti-
vemos mais contato com ela.
Na quinta, ligaram para infor-
mar que ela tinha falecido”, con-
ta a administradora de imóveis
Patrícia Vanízia, de 43 anos. A
mãe de Patrícia, Anita de Souza
Vianna, morreu no último dia
16 por covid-19.
“O teste deu positivo, mas no
atestado de óbito colocaram co-
mo síndrome respiratória”, con-
tou a administradora. “Minha
mãe era técnica em enferma-
gem no Ronaldo Gazolla e no
Hospital Geral de Bonsucesso.
Estava na linha de frente do
combate à covid-19.”
Sobre a transferência de pa-
cientes para o interior do Esta-
do, a SES declarou por meio de
nota que isso “faz parte do pro-
tocolo estabelecido para não so-
brecarregar as equipes das uni-
dades e o atendimento presta-
do”. A pasta também afirmou
que faz transferências “de for-
ma alternada para as diferentes
unidades espalhadas pelo terri-
tório”. A secretaria não divul-
gou a quantidade de leitos reser-
vados no Hospital Zilda Arns.
Informou, porém, que a taxa de
ocupação na unidade é de 54%
dos leitos de UTI e 40% dos lei-
tos das enfermarias.
Novas vagas. A prefeitura do
Rio deve publicar nesta semana
edital para contratar na rede
particular mil leitos dedicados
a cuidados intensivos.
A Secretaria Municipal de
Saúde (SMS) não informou a ta-
xa atual de ocupação na rede
municipal. Declarou que 346 lei-
tos foram abertos para o comba-
te ao novo coronavírus, incluin-
do 129 de UTI.
Na segunda-feira, a prefeitu-
ra inaugurou o maior hospital
de campanha da cidade, no Rio-
centro, na zona oeste. Mas a uni-
dade ainda não está equipada, e
levará alguns dias até começar a
receber os primeiros pacientes.
De acordo com os dados ofi-
ciais, o hospital ocupa 16,5 mil
metros quadrados, com 13 mil
metros quadrados de área cons-
truída. São 500 leitos, incluin-
do 100 de UTI – 15 desses leitos
de UTI terão recursos para he-
modiálise.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
l Diagnóstico
Eles devem atuar em
hospital de campanha;
policlínica separada para
covid-19 teve de fechar
as portas anteontem
l Equipamentos
A Prefeitura do Rio conseguiu
uma decisão judicial liminar que
garante o recebimento de 80
respiradores adquiridos em
dezembro de 2019 da empresa
Magnamed Tecnologia Médica.
São Paulo pode ter reabertura com quarentena. Pág. A12}
MICHAEL DANTAS / AFP
Amazonas
improvisa
atendimento
a internados
Hoje (terça-feira), dos
106 sepultamentos (no
Estado do Amazonas),
36,5% das pessoas
morreram em casa. Está se
caracterizando certa
falência, o colapso das
possibilidades de atender.”
Arthur Virgílio
PREFEITO DE MANAUS
Assembleia Legislativa pediu intervenção
federal, o que foi descartado pelo Planalto
Emergência. Funcionários do Hospital Dr. João Lúcio Pereira Machado, em Manaus, transportam corpo de vítima da covid-
RAIMUNDO PACCÓ/FRAMEPHOTO
Sem saída. Fila na Policlínica Metropolitana, em Belém
REPRODUÇÃO
Improviso. Saco plástico
é usado como respirador
Rio tem 80% das UTIs ocupadas e já ‘exporta’ pacientes
Doentes são levados para
Volta Redonda, a 120 km
da capital; medida é
para não sobrecarregar
unidades, diz governo
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