JornalValor--- Página 15 da edição"23/04/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 22/04/2020@20:10:
Quinta-feira, 23 de abrilde 2020
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Valor
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A
A economia e os cinco estágios do luto
BCsestãotornandomaisfácilcusteardéficitsfiscaisescancarados.PorAdairTurner
“Nazista é um
comunista que
não se deu ao
trabalho de
enganarsuas
vítimas”.
DoministrodasRelações
Exteriores,ErnestoAraújo, em
texto emseublogintitulado
“Chegouo comunavírus”,onde
faz críticasaoprojeto
“globalista”eà OMS
ArmandoCastelar
Pinheiro
Volta precipitadafará a
retomadaser maiscomo
um “W”do que um “V”
ou “U”,possivelmente se
estendendo a 2021
U
mtexto sempreútil em
economia, ainda que
felizmente raramente
necessário, é olivro de
ElizabethKübler-Ross, intitula-
do “On Deathand Dying”.Como
otítulosugere, lida com as rea-
ções emocionaisàmorte,que a
autoraordenaem cincoestágios:
negação eisolamento; raiva;ne-
gociação,depressãoeaceitação.
Olivro me veio àcabeçacom a
reaçãoque, na minhavisão,te-
mos tido àpandemia da co-
vid-19: há dificuldadede acei-
tá-la,negandoasuavirulência, o
seu poderdestrutivo, para asaú-
deeaeconomia.
Em parte issorefletiu ser esta
umacrise originada na saúdee
não na economia. Estamos acostu-
madosapensaremcrisesorigina-
das em choques de petróleo
(1974-75 e 1979-80), políticas mo-
netárias radicais (1979-82), crises
de excesso de endividamento
(anos 1980), políticas econômicas
heterodoxas (1990-92), má regu-
laçãofinanceira(2008-09)etc.Esta
não.Éumacrisenasaúde,umacri-
se em que os instrumentosusuais
de políticaeconômica, nas áreas
monetária e fiscal, têm pouca ca-
pacidadedereverter.
Os economistas têm tido gran-
de dificuldadeem traduzira rea-
lidadeepidemiológicaem que-
das do nívelde atividade.Sema-
na passada,o FMI trouxea públi-
co suas novasprojeções,preven-
do quedade 3% no PIB mundial
este ano. Apenastrês mesesan-
tes, previaalta de 3,3%.Mês pas-
sado, os economistasconsulta-
dos pelo Ministérioda Economia
para a elaboraçãodo PrismaFis-
cal, umapublicaçãosemelhante
ao BoletimFocus, do BancoCen-
tral, projetavam que oPIB brasi-
leiro teria expansão de 1,8%.Este
mês,jápreveemquedade3,3%.
Eu temoque aindaestejamos
nesseestágiode negação.Porém,
pareceque já deixamospara trás
a ideiade que a recuperação virá
em um “V”, com umarápidare-
cuperação no segundosemestre
que compensea quedano pri-
meiro.Jásefala maisde uma re-
tomadaem“U”.OFMI,porexem-
plo, projetaque não voltaremos
aoPIBde2019antesde2022.
Em várioscantosda sociedade
brasileira, assimcomonos EUA,
ondetambémo nívelde coesão
socialé baixo, muitagentejá mi-
groupara o estágioda raiva.Rai-
vadeterosnegóciosfechados,de
estarem casa,de ter sua liberda-
detolhidaporumgovernadorde
outropartidoque não o seu. Até
pelocaráterabstratodo vírus,
que ninguémvê eque, em mui-
toscasos,passasemsintomasou
maioresrepercussões.
A pressãovindadessesgrupos,
que no Brasilenos EUA contam
comoapoiodosseuspresidentes
da República,tem estimulado os
governos a entrarna fase de ne-
gociação.Isso tem resultado em
umaaceleraçãodo processode
saídada quarentena.Não que
não hajalógicano que paísesco-
mo Áustria,Dinamarca,Alema-
nha,Espanhae outroscomeça-
ram a fazer,liberandoo funcio-
namento de pequenaslojas,al-
gumasobrasde construção efá-
bricase,emalgunslocais,escolas
elivrarias.Apenasque énotável
que isso venhaocorrendomais
cedodoqueseviunaChina,mes-
mo em Wuhan,epicentro da
pandemia,ondeesta,aparente-
mente,atingiuníveismenossé-
riosdoquenaEuropaenosEUA.
Prevejo que omesmoaconte-
cerá por aqui,que os governos
em brevemigrarãopara afase de
negociação com apandemiada
covid-19,oferecendo algumafle-
xibilização das regrasde distan-
ciamentosocial.Etemoqueaqui,
comopossivelmente na Europa,
isso possalevara um recrudesci-
mentoda pandemia.Isso por um
motivosimples:umaproporção
muitopequena da população
mundialfoi atéaqui expostaà
covid-19. No Brasil,minhas esti-
mativasindicamque, no melhor
caso, cercade 0,2% da população
brasileira —algo como420 mil
pessoas—foiexpostaaovírus.
Vejo genteno meioempresa-
rialpressionandoporessarápida
voltadas atividades.Mas me per-
gunto:será que o melhorpara as
empresase aeconomiaéuma
voltarápida,com boa chancede
ser umavoltabreve,que dê ori-
gem aum períododegrande in-
certeza,ouémelhoresperarum
pouco maise ter um cenário
maisprevisívelàfrente?
Seessaretomadaforprecipita-
da e sem adevidapreparação, al-
go que no Brasilé maisprovável,
pela falta de testageme de coor-
E
mrespostaàpandemia
da covid-19,o Federal
Reserve(Fed, bancocen-
tral dos Estados Unidos)
compraráquantiasilimitadasde
títulosdo Tesouroamericano,o
Bancoda Inglaterra, 200 bilhões
de libras(US$250 bilhões)de tí-
tulosdo governobritânico,eo
BancoCentral Europeu (BCE),
€750 bilhõesde bônusda zona
do euro. Quasecertamente, os
bancos centraisacabarão pro-
porcionando financiamento
monetárioparacusteardéficits
fiscais.Aúnicadúvidaésedevem
tornarissoexplícito.
A políticamonetária,por si só,
é claramenteimpotente nas cir-
cunstâncias atuais. Os bancos
centraiscortaramtaxasreferen-
ciaisdejuros,eascomprasdebô-
nus vêm pressionandoparabai-
xo os rendimentos dos papéisde
longoprazo. Ninguémacredita,
no entanto,que essasbaixasta-
xasdejurosmotivarãoaumentos
nos gastosdos consumidoresou
nos investimentosdas empresas.
Em vez disso, aquedano cresci-
mentoeconômico será neutrali-
zada(da melhorformapossível)
por aumentosnos gastosgover-
namentaisem saúde,apoiodire-
to à rendados trabalhadoresde-
mitidose impostosmaisbaixos.
Isso resultaráem déficitsfiscais
semprecedentes.
Na teoria,financiaressesdéfi-
cits por meioda vendade bônus
governamentais poderiaelevaro
rendimentodos bônus,poten-
cialmenteanulandoa forçados
estímulos.Mascomos bancos
centrais comprando bônus e
pressionando os rendimentos
parabaixo, os governos pode-
riamcaptartudooque precisas-
semataxasdejurosbaixíssimas.
Quando os Estados Unidos,
usaramessa políticadurantea
SegundaGuerraMundial, opa-
peldoFedemfacilitarofinancia-
mentoviatítulosdedívidafoiex-
plícito:de 1942a1951, compro-
meteu-seacomprarbônusdoTe-
souroem qualquervolumene-
cessárioparamanteros rendi-
mentosbaixos. Destavez, com-
promissosexplícitoscomoesse
têm sido evitados,mas o efeitoé
o mesmo:os bancoscentraises-
tão tornandomaisfácil financiar
déficitsfiscaisescancarados.
Se isso será um financiamento
monetário permanente ou não vai
dependerde que esses bônus se-
jam algum diavendidos de volta
ao setorprivado, comos balanços
dos bancos centraisvoltando a ní-
veis “normais”. NosEUA, essa re-
versãonuncaocorreu.
Tempos depois, em seu livro, “A
denaçãoentrePoderese diferen-
tes níveisde governo, umanova
quarentenanosaguardaàfrente.
Isso fará aretomadaser maisco-
mo um “W”doque um “V”ou
“U”, possivelmentese estenden-
do ao próximoano,ecommais
quedaacumulada do PIB, do em-
pregoedasreceitastributárias.
Viráentãoafase da depressão.
Esta parece já estar encomendada.
Mesmo sem o recrudescimento da
pandemia,oBrasil vai sairdesta
crisemaispobre,commaisdesem-
prego, déficitedívidapúblicabem
maisalta, e com ainda menoscoe-
são social. Seráum tempotriste,
commuitabriga entreos atores
políticos tentando alocar ao outro
aculpaportantador.
Torço,porém,paraqueessase-
ja uma fase curtae que logo pos-
samos entrarna fase da aceita-
ção.Aceitarque os problemasfi-
carammaiorespara(quase)todo
mundoeque, maisdo que nun-
ca, vamosprecisarde forçae coe-
são para fazerreformas,acertaro
que está erradoecolocaropaís
em uma trajetóriade crescimen-
to.Temo,porém,que isso só ve-
nhacomaseleiçõesde2022.
ArmandoCastelarPinheiroé
Coordenadorde EconomiaAplicadado
Ibre/FGV, professorda Direito-Rio/FGV e
do IE/UFRJ e escreve quinzenalmente
neste espaço.Twitter: @Acastelar.
Monetary History of the United
States” (umahistória monetária
dos EstadosUnidos, em inglês),
Milton Friedman e Anna Schwartz
estimaramque cerca de 15% do es-
forço de guerra foi financiado por
dinheiro do banco central emvez
de por impostosou dívidas quete-
nhamsido realmentepagas em al-
guma ocasião. No Japão, onde 25
anos de grandes déficits fiscais fo-
ram acompanhadospor compras
igualmente grandesde bônusgo-
vernamentais pelo Bancodo Ja-
pão, está óbvio que os bônus em
mãosdo bancocentral nunca se-
rão vendidos: houve financiamen-
tomonetáriopermanente.
Portanto, ofinanciamentomo-
netário não precisaser explícito
paraser permanente. Todas as
compras de ativos por bancoscen-
trais nos últimos dez anos,ocha-
mado afrouxamentomonetário
quantitativo (QE),poderiam,
olhandoemretrospectiva, envol-
verfinanciamentomonetário.
Essa possibilidade aterroriza
quem acredita que ofinanciamen-
to monetário levaaumahiperin-
flação. Tais temores são absurdos.
Friedman disse queemdepressões
deflacionárias, deveríamos jogar
notas de dólaresde um helicópte-
roparaqueaspessoasaspegassem
e as gastassem. Se o presidente Do-
nald Trump, ordenasse jogar
US$ 10 milhões dessedinheiro de
helicóptero o impacto na ativida-
de real ou na inflação seriaminús-
culo. Mas suponhamos que ele or-
denasse US$ 1quatrilhão: obvia-
mente, haveriahiperinflação. O
impacto do financiamento mone-
táriodependedaescala.
Ostemoresquantoaoimpacto
delongoprazonobalançodeum
bancocentrale na lucratividade
dosbancosprivadostambémsão
infundados.Os bancos centrais
não criamdiretamenteodinhei-
ro em possede pessoasfísicas ou
jurídicas; o que eles criamé aba-
se monetáriamantidacomoati-
vos de reservapelosbancos.Co-
moresultado,osbancoscentrais,
que pagamtaxasde jurossobre
as reservas,se deparariamcom
um custocontínuose criassem
maisdessedinheiro.
Mas os bancoscentrais podem
criardinheirosemcustospagando
taxa de juro zero em certovolume
de reservas de bancos privados. E,
emboraessas reservas ataxas zero
possamimporumimpostosobrea
criação de crédito quandoaa tivi-
dadeeconômica se reanimar, isso
poderia ser desejável,porque im-
pediria que os estímulos iniciais
fossem multiplicados danosa-
mente pela criaçãofuturade di-
nheiropelosbancosprivados.
Portanto,analisando de perto,
todas as aparentes objeçõestécni-
cas ao financiamentomonetário
se evaporam. Não há dúvida de
que o financiamento monetário é
tecnicamente viávelequeautori-
dadesmonetáriasfiscalmentesen-
satas podem simplesmenteesco-
lherovolume“ad equado”.
A questãocrucialése épossí-
vel confiarque os políticossejam
sensatos.Amaioriados técnicos
debancoscentraisécéticaeteme
que o financiamento monetário,
uma vez abertamente permitido,
setorneexcessivo.
Eles podem estar certos: talvez a
melhorpolítica sejafornecerfi-
nanciamento monetário,enquan-
to se negaofato. Governos são ca-
pazes de ter grandesdéficits fis-
cais. Bancos centrais podemper-
mitirque essesdéficits sejamfi-
nanciadosa taxaspróximas a zero.
Eessasoperaçõespodemserrever-
tidasse as taxas futuras de cresci-
mentoeconômicoedeinflaçãofo-
rem maiores do que as previstas
atualmente.De outra forma, elas
se tornariam permanentes. Mas
ninguémprecisareconhecer essa
possibilidadeantecipadamente.
Paradoxalmente, o único risco
dessa abordagem é que os bancos
centrais sejam demasiado confiá-
veis.Se pessoas físicas ou jurídicas
acreditarem na promessa das au-
toridades monetárias de nunca
permitirofinanciamentomonetá-
rio e de que todasas operações de
QEserãorevertidasdefinitivamen-
te,elasvãoesperarquetodaanova
dívida pública preciseser paga
com o dinheiro de impostos futu-
ros. Eantecipar-se aesse fardopo-
deria reduzir os gastos dos consu-
midores e os investimentos das
empresashoje.
A abordagemalternativa éa
honestidade —desde que se
anuleo riscode que a honesti-
dade leveaexcessos. Andrew
Bailey, presidentedo Bancoda
Inglaterra,argumentouem 5de
abrilque o financiamento mo-
netárioexplícito é“incompatí-
vel com abusca de uma metade
inflaçãopor um bancocentral
independente”. Mas Ben Bernan-
ke, ex-presidentedo Fed, mos-
trou por que isso não é verdadei-
ro,ao propor,emvez disso,que
bancos centrais independentes
deveriamdeterminaro volume
de qualquerfinanciamentomo-
netário,com os governosdeci-
dindo comogastaro dinheiro.
Bancoscentraisindependen-
tes poderiamtomardecisõesex-
plícitassobreovolumeidealde
financiamento monetário. Mas,
sendo explícitas ou não,uma
grande proporção das opera-
ções atuaisde QE, em retrospec-
tiva, terãofinanciadodéficitsfis-
cais ampliados.
AdairTu rner,chefe da Comissãode
TransiçãoEnergéticado Reino Unido, foi
chefe da Comissãode Serviços
Financeiros de 2008 a 2012. Seu livro
maisrecente é “Entre a Dívidae o Diabo".
Copyright:ProjectSyndicate, 2020.
http://www.project-syndicate.org
Cartasde
Leitores
Financiamento monetário é isso aí
Frase do dia
Isolamento social
Oacertodadecretaçãodoisola-
mentosocialnocombateaessa
gravepandemiadacovid-19se
mostrapelosnúmerosdeinfec-
tadoseóbitosnoBrasil.Passados
22diasdaprimeiramorteem
SãoPaulo,estamoscontabilizan-
donopaís2.906mortese45.
pessoasinfectadas.JáosEstados
Unidos,ondeopresidenteDo-
naldTrumpinicialmenteserecu-
souadecretaçãodoisolamento
social,hojecontabilizammais
de45milmorteseumtotalde
820milpessoasinfectadas.
Mesmoconsiderandoqueo
Brasiltemumapopulaçãome-
norcom212milhões,eosEUA,
330milhõesdehabitantes,essa
enormediferençademortesein-
fectadosdemonstraqueosgo-
vernadoreseprefeitosdonosso
paísacertaramaodecretaroiso-
lamentosocial.Lógicoqueainda
estamosnomeiodestecaminho
complexoeaindadesconhecido
destapandemia,Masonosso
país,seguindoasrecomenda-
çõesdaOMS,doprópriominis-
tériodaSaúde,doscientistase
infectologistas,certamente,ob-
jetivandoapreservaçãodevidas,
estáevitandoopior.
PauloPanossian
Gaia
Em“Efeitocorona”, artigopubli-
cadonapáginaA11daediçãode
ontemdoValor,oengenheiro
GeobertoEspíritoSantofazuma
abordagemsobreosimpactos
dacovid-19sobreaeconomiaeo
processodeglobalização,atin-
gindoprincipalmenteossetores
energéticos,comoarecentede-
bacledopetróleo,queatingiu
preçosinimagináveiseosetorde
geraçãodeenergiaelétrica,cujo
consumomundialtevesignifica-
tivaqueda.Oladopositivofoio
benefícioaomeioambientecom
adrásticareduçãodeCO 2.
DirceuLuiz Natal
Plano Teich
OjornalistaFernandoExmanfoi
muitoassertivonoseuartigo“Go-
vernoeempresárioscobramPlano
Teich”,publicadonapáginaA6da
ediçãodeontemdoValor,quan-
dotratoudaprementenecessida-
dedekitsparadetecçãodaco-
vid-19,jáqueosnúmerosatuais
nãorefletemarealidade.
Deacordocomosnúmeros
atualizadosdoMinistérioda
Saúde,entreosdias
o
e21/04,
inclusive,avariaçãomédiado
percentualdeinfectadoserade
10,2%edeóbitosde13,4%.Co-
modesenvolviummodelomate-
máticoparaacompanharosnú-
merosdesde17/03—ocorrência
doprimeiroóbito—,fizumasi-
mulaçãoechegueiàseguinte
conclusão:acontinuaressesper-
centuais,nopróximodia24de
julho,onúmerodeóbitosseria
maiordoquedeinfectados,o
quemostradeformairrefutável
queonúmero(deinfectados)es-
táextremamentesubnotificado,
exatamenteporfaltadeumates-
tagemabrangentecomodizo
artigoemreferência.
Humberto Viana Guimarães
No Japão,onde25 anos
de grandes déficits
fiscais foram
acompanhadospor
compras igualmente
grandesde bônusdo
governo peloBancodo
Japão,está óbvio que os
bônusem mãosdo BC
nuncaserãovendidos:
houve financiamento
monetáriopermanente
Opinião
Correspondênciaspara
Av. 9 de Julho,5229 - Jardim
Paulista- CEP01407-907 - São
Paulo - SP, ou para
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endereço e telefone. Os textos
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