DOSSIÊ SUPER 29
Entenda os mecanismos que
o sonho tem para que você não
perceba seus desejos ocultos.
E os métodos de Freud para
reverter esse mascaramento.
i have
a dream
Sendo assim, como é que os sonhos poderiam
ser realizações de desejos, como Freud afirmou?
A questão, segundo ele, é que o sonho do qual
você se lembra quando abre os olhos de manhã
é uma construção simbólica, uma tradução toda
distorcida, mas menos chocante, do que a sua
mente queria manifestar de verdade – e que era
originalmente um desejo sendo realizado. Afinal,
nossos desejos às vezes podem ser menos dige-
ríveis que os pesadelos mais arrepiantes. Vamos
a um exemplo.
Um chefe de família, homem de princípios con-
servadores, tem um pesadelo de que é perseguido
por uma gangue de bandidos – homenzarrões
brutos, musculosos e... cheirosos. Hum... Para a
mente consciente desse indivíduo, que só se acei-
ta como heterossexual convicto, não há dúvida de
que a noite foi agitada por um pesadelo dos mais
terríveis. Mas algumas sessões com um psicana-
lista poderiam chegar à tentativa inconsciente de
realização de um desejo: assumir uma homosse-
xualidade reprimida. Ou não. Depende. Talvez o
homem quisesse, secretamente, tomar o lugar do
pai na loja de perfumes da família – uma ambição
que ele poderia considerar condenável. Diferen-
temente do que sugere o astrólogo João Bidu, pa-
ra Freud o mesmo tipo de sonho tem significados
distintos de pessoa para pessoa.
Esse mecanismo que transforma nossos dese-
jos em histórias malucas quando dormimos é o
que Freud chama de “trabalho do sonho”: um
processo que retira o material cru de um pensa-
mento inconsciente e, a partir dele, como um
Salvador Dalí, monta a sequência surrealista que
é o produto final dessa engrenagem. O ponto
inicial do processo, Freud chama de conteúdo
latente, e o final, de conteúdo manifesto – que é
o mais familiar a todos nós.
Conteúdo manifesto é exatamente o que você
costuma chamar de sonho: aquilo que a sua cons-
ciência percebeu, a historinha de que você se lem-
brou de manhã. Geralmente, são sequências sem
muito sentido aparente – ou sem nenhum sentido.
Já o conteúdo latente – oculto – é a origem e o
verdadeiro significado desse filme surrealista. É
onde está a tal tentativa inconsciente de realizar
um desejo. Para chegar à sua consciência – e as-
sim se transformar em conteúdo manifesto –,
esse desejo escondido passa por distorções que
a sua mente cria para torná-lo mais palatável
para você mesmo. Como no caso do homem que
Se alguém lhe perguntar na lata qual é
a teoria de Freud a respeito dos sonhos, uma
resposta curta e precisa seria esta: o sonho é
uma manifestação do nosso inconsciente que, se
interpretada, revelará uma tentativa mental de
realizar um desejo reprimido. (Não seria à toa que
chamamos de sonhos as coisas que desejamos
intensamente – e que nos parecem distantes.)
Curta e grossa, a resposta está certíssima. O
problema é que vai gerar um monte de outras
perguntas. Isso porque nossos pesadelos pare-
cem ser a antítese exata dessa afirmação. Como
é que todo sonho expressa um desejo? E o que
dizer dos meus sonhos angustiantes nos quais
estou sendo assaltado ou devorado por um ti-
ranossauro do Jurassic Park, ou estou caindo
do topo do Edifício Itália? Como eu poderia
desejar essas tragédias?
Calma. Freud explica tudo isso. No livro A
Interpretação dos Sonhos, as explicações rendem
coisa de 700 páginas. Mas nós vamos direto
aos conceitos principais dessa teoria.
Em 1896, pouco antes do lançamento do livro
de Freud, duas pesquisadoras americanas, Sarah
Weed e Florence Hallam, realizaram um estudo
com a análise de 381 sonhos. A conclusão foi
de que 57,2% deles eram desagradáveis, com
sentimentos negativos como medo, desamparo,
vergonha, raiva, desapontamento, desconforto
e perplexidade. E os sonhos cor-de-rosa, da-
queles que te acordam com vontade de conti-
nuar o sonho? Apenas 28,6%.
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