Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1

40 FREUD


Pode até ser que a babá erótica do pe-
queno Sigmund tivesse culpa no cartório,
mas os registros históricos apontam para
outra origem do interesse do austríaco
pelo que as crianças fazem com os pipis
e popôs. Na rotina do seu consultório,
usando a técnica da associação livre, Freud
foi percebendo que muitos dos casos de
estresse emocional de seus pacientes es-
tavam relacionados a experiências repri-
midas da infância, ligadas a questões se-
xuais – concluiu que as neuroses nascem
do conflito entre a sexualidade do pacien-
te e os padrões da sociedade. Como já
vimos neste dossiê, Freud esteve conven-
cido durante um tempo de que todo mun-
do tinha algum trauma sexual de infância,
associado a um abuso cometido por um
parente próximo, frequentemente os pró-
prios pais: a sua Teoria da Sedução. Mas
a tese de que o planeta é habitado por
bilhões de molestadores incestuosos não
durou tanto – ele mesmo concluiu que
parecia pouco factível. Ao longo das ses-
sões de psicanálise, foi então percebendo
que as memórias de traumas sexuais ge-
ralmente eram parte da fantasia criada
pela mente dos pacientes.
Se desistiu da hipótese dos abusos ge-
neralizados, Freud nunca abdicou da ideia
de que a busca por prazer na infância, com
seus êxitos e fracassos, tem reflexos fun-
damentais na formação da nossa perso-
nalidade. Junto com o funcionamento do
inconsciente – conceito imprescindível
em qualquer ideia que venha de Freud –,
a sexualidade é o sustentáculo de toda a
psicanálise. E essa safadeza começa antes
do que parece.

Puro êxtase
Imagine degustar o seu drink predileto ao
mesmo tempo que recebe uma massagem
deliciosa nos ombros e nos pés. Diante de
você, modelos lindas/lindos desfilam com
pouca roupa – tudo ao som da sua banda
preferida. Bom, né? Pois é exatamente as-
sim que se sente um bebê sugando leite
materno. Está ali o mamá quentinho que,
além de alimentar, tem poder analgésico
e antiestresse. A voz e até o cheirinho da
mãe relaxam e acalmam. E o contato com
o seio não é o sonho só de adolescentes
espinhudos – para um bebê, é a melhor ex-
periência tátil do mundo. A amamentação
é uma explosão de estímulos – em todos
os sentidos. “Quem vê uma criança lar-
gar satisfeita o peito da mãe e adormecer,

com faces rosadas e um sorriso feliz, tem
de dizer que essa imagem é exemplar para
a expressão de satisfação sexual na vida
posterior”, define Freud.
Segundo ele, o prazer múltiplo da mama-
da é justamente o primeiro passo na direção
do que vai se tornar a série de estágios do
desenvolvimento psicossexual infantil. Es-
sa jornada começa no nascimento e, ao
longo dos primeiros anos de vida, é mar-
cada pelo autoerotismo, quando a criança
obtém prazer com o estímulo das zonas
erógenas do próprio corpo – a boca em
contato com o seio materno, a genitália que
recebe pomada na troca de fralda... tudo
muito mais inocente do que o termo “eró-
gena” poderia insinuar. Mas a festa de uma
só pessoa é interrompida por volta dos 6
anos, idade em que meninos e meninas vão
para a escola e arrumam outras distrações
para a cabeça. Esse intervalo, de abstinência,
dura até a puberdade, quando então a se-
xualidade volta com força total – agora não
mais centrada no próprio corpo, mas de olho
nos objetos sexuais que abundam à nossa
volta: outros meninos e meninas. Uma au-
toaprendizagem que deixa marcas para a
vida inteira, pois, nas palavras do próprio
Freud, esse é o “jogo das influências que
governam a evolução da sexualidade infan-
til até o seu desenlace em perversões, neu-
rose ou vida sexual normal”. E é o que
veremos a seguir.

Na primeira infância,
mamar no peito seria o
suprassumo do prazer.

De acordo
com Freud,
a forma
como se dá
a busca por
prazer na
infância
tem impactos
profundos
na formação
da nossa
identidade.

imagem: Getty Images

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