86 NATIONALGEOGRAPHIC
Toshio, um homem grande e sério, estava aborre-
cido. Cerca de duzentos homens deveriam reunir-
-se sob as árvores altas de ginkgo no pátio, mas
apenas cerca de uma dezena apareceu e o espírito
local, uma divindade chamada Susanoo, o deus da
tempestade, vira-se obrigado a esperar.
Toshio e os outros apresentavam-se vestidos
de forma tradicional e para trabalhar em conjun-
to, com casacos happi idênticos feitos de algodão
leve e jika-tabi brancos, os sapatos típicos do
trabalhador japonês. Preparada para trabalhar
arduamente, a maioria vestia calções, embora
alguns tivessem preferido o tradicional fundoshi,
um misto de coquilha e tanga.
Toshio segurava um megafone numa das mãos
e a outra estava cerrada num punho. Tinha cabelo
escuro curto, bigode cuidadosamente aparado e
uma faixa branca atada à volta da cabeça. Quan-
do finalmente se levantou, inquieto, reparei numa
estranha protuberância no seu pescoço que aba-
nava. Toshio captou o meu olhar e tocou no alto.
“É o meu mikoshi-dako”, disse, demonstran-
do um orgulho evidente.
Um homem mais velho aproximou-se e admi-
rou-o. “É enorme!”, exclamou. Depois, virou-se e
apontou para a protuberância, ligeiramente mais
pequena. “Só os homens dedicados ficam com
estes altos.”
Eu nunca ouvira falar num mikoshi-dako.
Toshio Tajima explicou tratar-se de uma pala-
vra composta pelos termos “santuário portátil” e
“calo” – embora aquelas protuberâncias em nada
se assemelhassem aos calos que eu vira antes. São
moles. Um pouco repugnantes. Enquanto tentava
imaginar o que poderia tê-los causado, o homem
mais velho, Teruhiko Kurihara, riu-se e apontou
para algo que parecia uma casa de bonecas enor-
me montada sobre traves compridas e grossas.
“Aquilo é o mikoshi”, disse. “Ficamos com o
dako por carregá-lo.” Deu uma palmada satisfei-
ta no seu calo.
O mikoshi era quase do tamanho de um Mini
Cooper, enfeitado com acessórios dourados, pin-
tado com uma camada de laca negra e vermelha.
Persianas de papel cobriam as janelas e havia
postes esculpidos à mão diante de portas grava-
das à mão sob um telhado muitíssimo inclinado.
Era quase uma réplica do santuário que estava
atrás de nós, mas reduzido a uma escala portátil.
Todos os bairros na zona tinham o seu mikoshi
portátil e, para o festival, os sacerdotes xintoístas
haviam feito uma transferência cerimonial da di-
vindade de cada bairro para o seu mikoshi.
Kengo Kuma mostrou-se animado, desenhan-
do com as mãos enquanto descrevia Tóquio.
Muitas das ideias que defende (desde a susten-
tabilidade ambiental a programas que preten-
dem “devolver a natureza à cidade”) estão len-
tamente a ganhar terreno. Mais tarde, quando
subimos ao terraço do Centro de Informação, o
arquitecto descreveu o Japão como uma “socie-
dade madura”, rica, tecnologicamente avançada
e em envelhecimento. Por outras palavras, está
pronta para crescer de forma mais responsável.
“O melhor que podemos fazer é dar o exem-
plo... Mostremos como se pode agir de outra for-
ma”, resumiu.
No terraço, havia turistas a fotografar a linha do
horizonte de Tóquio ou a contemplar o Senso-ji,
o amplo complexo de um templo budista que em
nada fica a dever à cidade em termos de superlati-
vidade: é visitado anualmente por milhões de pe-
regrinos e turistas. Vimos multidões a entrar no
templo através de Kaminarimon, a “porta do tro-
vão,” do outro lado da rua. A leste, havia um edi-
fício escuro implantado na margem oposta do rio
Sumida. O prédio, que integra a sede mundial da
Asahi Breweries, é encimado por uma enorme plu-
ma dourada que representa uma chama. Muitas
pessoas chamam-lhe simplesmente “o cagalhoto
dourado”, brinca Kengo Kuma, fazendo uma ca-
reta. Sugeriu que todos os edifícios têm uma vida
e devemos tentar viver em harmonia com eles.
“A posição [deste] é muito importante, pois fica
em frente ao portão Kaminarimon. Ao projec-
tá-lo, quis demonstrar respeito pela porta, pela
rua... Muitas pessoas pensam que a história tem
pouca relevância. Na verdade, podemos viver
numa época diferente, mas ainda dialogamos
com o passado.”
MINAMISENJU
ONDE SE SOFRE PARA TER SORTE
TOSHIO TAJIMA ESTAVA sentado nos degraus do
santuário xintoísta de Minamisenju, um bairro des-
pretensioso da zona centro-leste de Tóquio. Obser-
vava a sua equipa de carregadores de espíritos. Era
uma sexta-feira quente de Junho, época festiva, e
ouvia-se música tradicional bem alto, projectada
por altifalantes instalados em postes telefónicos.