CAMINHADA EM TÓQUIO 87
Pouco depois, já com cerca de quarenta ho-
mens no local, todos envergando o mesmo traje,
Toshio decidiu que seriam suficientes para co-
meçar. Reuniram-se em torno do mikoshi e colo-
caram as mãos sobre as traves macias. Quando
surgiu a ordem, dobraram os joelhos, prepara-
ram os ombros e ergueram o mikoshi.
Estes festivais são comuns no Japão e, nessa
tarde, eu já vira outros grupos transportarem
mikoshi pelas ruas, bloqueando o trânsito, fazen-
do pausas aqui e além para beber uma cerveja e
comer. Durante vários dias, o mikoshi flutuaria
pelos respetivos bairros, num ritual comunitá-
rio para atrair a sorte e renovar a fé ancestral.
No último dia, todos os mikoshi são carregados
de volta para o santuário local. Há uma grande
festa. Susanoo e os outros espíritos regressam ao
templo e as pessoas regressam, literalmente, a
coxear para casa.
O mikoshi em frente de Tajima oscilava para
cima sobre os ombros dos fiéis e eles desloca-
vam-no pelo pátio, marchando num movimento
ensaiado. Quando chegaram a determinado local
sagrado, a procissão parou. Toshio berrou algu-
mas instruções e o mikoshi começou a abanar,
primeiro suavemente, enquanto os homens can-
tavam e o empurravam. Lentamente, o santuário
ganhou impulso e, de repente, caiu ao solo. Os
homens que o carregavam pareciam prestes a ser
esmagados, mas o desastre foi, inexplicavelmen-
te, evitado e o santuário foi atirado para o outro
lado. Abanando de um lado para o outro, o san-
tuário parecia uma embarcação num mar furioso,
castigando os pescoços e os ombros debaixo dele.
Toshio ria-se sempre que quase acontecia um
desastre. “Mais depressa!”, gritou.
Sob o santuário, os homens sorriam, gemiam
e levantavam-no. A gravilha a seus pés ficou es-
cura com o suor. A meu lado, Teruhiko Kurihara
disse: “O nosso deus gosta das coisas difíceis!”
Depois perguntou-me: “Queres chorar?”
Fez sinal a um homem para abandonar o pos-
to e eu substituí-o. Mesmo com a ajuda de todo
o grupo, o fardo parecia pessoal. O mikoshi en-
caixou-se na minha coluna. Pesando à vonta-
de meia tonelada, era capaz de esmagar ossos
e espetava-se em mim como o poste de uma
vedação. Passados alguns minutos, tinha uma
ferida do tamanho de uma maçã em cima das
vértebras cervicais que me doeria durante uma
semana. Teruhiko fez-me sinal para sair. Senti-
-me muitos centímetros mais pequeno.
“O que está no interior?”, perguntei.
Teruhiko encolheu os ombros. Era dono de uma
florista nas proximidades e partilhava o sofrimen-
to e a alegria desta tradição há mais de 20 anos.
“É o espírito”, disse-me. “É mesmo pesado.”
O grupo de Toshio Tajima marchou para fora
do pátio, saindo para as ruas de Minamisenju.
Polícias de luvas brancas interrompiam o trân-
sito. Pouco depois, havia uma multidão reunida
em redor do santuário, emergindo de casas e lo-
jas, gritando palavras de apoio ou assumindo um
turno como carregadores. A cada meia dúzia de
minutos, paravam e abanavam o santuário, ga-
nhando impulso até ele quase cair e dezenas de
mãos se esticarem para cima para evitar a queda.
CHUO
NO CORAÇÃO DA CIDADE, UM APELO
À DIVERSIDADE
A GOVERNADORA da prefeitura de Tóquio, Yuriko
Koike, admitiu que, por vezes, sente falta do caos.
Primeira mulher nomeada governadora de
Tóquio, frequentou a universidade noutra grande
metrópole – o Cairo. É difícil imaginar dois sítios
mais opostos, mas, para a autarca, isso fazia parte
do encanto.
“O que atrai no Cairo é o seu caos”, disse, sor-
rindo ao recordar as ruas frenéticas e o antigo
souk. “Mas, como é óbvio, a atracção de Tóquio
é ser tudo controlado.”
Estávamos a caminhar sobre uma estrada de
gravilha, nos Jardins Hama-rikyu, um refúgio
sereno com relvados bem cuidados e secções
floridas com pinheiros-negros, arbustos de flor-
-de-merenda e cerejeiras e o rio Sumida ao fundo.
Yuriko Koike fora apresentadora de um te-
lejornal. Na década de 1990, transitou para a
política e passou 24 anos como deputada no
Parlamento nacional, período durante o qual
cumpriu funções no gabinete de dois primei-
ros-ministros e, embora por pouco tempo, foi a
primeira mulher a ocupar o cargo de ministro
da Defesa do Japão. Foi eleita governadora por
uma maioria esmagadora em 2016. A dimensão
da sua vitória sugeriu que o monopólio mascu-
lino do poder poderia estar, finalmente, a apro-
ximar-se do fim.