24 NATIONAL GEOGRAPHIC
Deixariam de separar ricos e pobres, novos e
velhos, brancos e negros, como acontece no modelo
actual de desenvolvimento urbano, sobretudo nos
EUA. Conduzindo menos, asfaltando menos, os
habitantes da cidade aqueceriam menos a atmos-
fera e o planeta. O processo abrandaria as altera-
ções climáticas que ameaçam tornar algumas
cidades inabitáveis já neste século.
Segundo Peter Calthorpe, não são necessárias
belezas arquitectónicas nem tecnologia futurista.
Precisamos, acima de tudo, de corrigir os erros e
os equívocos do passado recente.
A sul do aeroporto de São Francisco, Peter Cal-
thorpe saiu da auto-estrada. Dirigíamo-nos a Palo
Alto, onde ele cresceu na década de 1960, mas a
nossa verdadeira intenção era percorrer El Cami-
no Real, a estrada outrora percorrida pelos colo-
nos e padres espanhóis. “Era o velho caminho da
Missão”, disse ele. “E agora, atravessa o centro de
Silicon Valley numa zona de péssima construção
de baixa densidade.”
Pequenas aldeias desfilavam. Passámos por
lojas de pneus, empresas de mudanças e motéis
baratos. El Camino é uma das mais antigas vias
comerciais do Oeste dos EUA e não é a mais feia.
Para o arquitecto, o seu interesse não se deve ao
facto de ser inestética, mas às oportunidades
que oferece. Não vivem muitas pessoas ao longo
da estrada porque, no essencial, a zona foi quase
exclusivamente planeada para uso comercial. No
entanto, Silicon Valley precisa desesperadamen-
te de áreas residenciais. Dezenas de milhares de
pessoas deslocam-se de automóvel pelo Norte da
Califórnia. Em Mountain View, sede da Google,
centenas de pessoas chegam a viver dentro do au-
tomóvel, em parques de estacionamento.
Ao longo dos 70 quilómetros de El Camino
entre São Francisco e San José, há 3.750 lotes co-
merciais ocupados por uma amálgama diversa de
edifícios, na sua maioria com um ou dois andares.
Essa informação está disponível graças ao softwa-
re desenvolvido pela equipa do arquitecto, o Ur-
banFootprint, que recorre a uma base de dados
organizada por lotes a nível nacional e a mode-
los analíticos para imaginar visões futuristas das
cidades. Se El Camino estivesse flanqueado por
edifícios de apartamentos com três a cinco pisos,
com lojas e escritórios no piso térreo, teria capaci-
dade para alojar 250 mil novos fogos. Seria possí-
vel resolver a escassez de habitação e embelezar
o local em simultâneo, reduzindo as emissões de
carbono, o consumo de água e o desperdício de
horas gastas pelas pessoas.
Nessa “faixa de urbanismo”, as crianças conse-
guiriam novamente ir a pé para a escola. Os pais
poderiam caminhar até à mercearia e deslocar-se
de bicicleta ou a pé até ao seu local de trabalho ou
usar um transporte público. Os transportes públi-
cos seriam o elemento decisivo: teria de ser omni-
presente e rápido. Mas já não seria uma linha de
metropolitano de superfície, diz Calthorpe: essa
solução tornou-se demasiado cara e há tecnologia
mais adequada a caminho.
Há um factor temido por muitos peritos: são
os veículos autónomos sem condutor (ou VA). Na
opinião de Peter Calthorpe, se a responsabilidade
pelos VA ficar a cargo dos particulares ou de em-
presas como a Uber ou a Lyft, eles irão metastizar
a expansão urbana. A tecnologia terá de ser con-
trolada de modo a beneficiar as comunidades.
No centro de El Camino, em estradas reservadas
de três faixas, ele poria a circular um serviço de
transporte com carrinhas autónomas. Chegariam
ao seu destino com intervalos de poucos minutos,
ultrapassando-se à vontade e fazendo paragens
ocasionais porque uma aplicação informática
agruparia os passageiros por destino. Nas faixas
protegidas, segundo a visão de Peter Calthorpe,
os pequenos robots não atropelariam as pessoas e
a tecnologia não dominaria o nosso mundo com
as suas consequências indesejadas.
Peter Calthorpe é um hippie solitário, mas nun-
ca renegou a tecnologia. Em finais da década de
1960, leccionou numa escola secundária nas mon-
tanhas de Santa Cruz. O vale que corria lá em bai-
xo ainda não recebera a alcunha de “silício”. Ainda
se chamava Vale das Delícias do Coração, coberto
de pomares. No sopé das montanhas, estava em
construção uma auto-estrada interestadual para
aliviar o trânsito em El Camino. “Naquele tempo,
nem sequer conseguíamos ver o vale”, recorda.
“Era apenas um mar de poluição atmosférica.
A atmosfera só estava límpida quando se passava
algo errado. Hoje há menos poluição, mas a cidade
continua com problemas e, nos dias bons, esses
problemas ainda parecem solucionáveis.
QUANDO O CONGRESSO para o Novo Urbanismo
organizou a sua assembleia geral anual em 2018 na
cidade de Savannah, o orador principal foi Jan
Gehl, um designer urbano de Copenhaga. Este octo-
genário visionário é venerado pelo seu conheci-
mento simples: defende que os arquitectos e os
designers urbanos deveriam construir cidades para
as pessoas e não para o automóvel. Deveriam pres-
tar atenção à vida entre os edifícios porque esta é